Tiago Alves - Malcata Eco Experience

MALCATA ECO EXPERIENCE
Estória de uma migração no sentido certo.

Trocou Peniche e o mar por Penamacor e as paisagens da Serra da Malcata. Tiago Alves é uma exceção ao sentido da corrente migratória das últimas décadas e um exemplo da importância do turismo na captação e retenção do ativo mais valioso para o interior do país, as pessoas.

Entre 1970 e 2021, Penamacor perdeu quase dois terços da sua população. Esta desumanização não é uma característica exclusiva desta vila raiana. Nos Censos 2021 será preciso uma lupa para encontrar uma vila ou cidade do interior do país que não tenha perdido residentes na última década e os motivos são conhecidos. Mas, como disse um dia Luís Vaz de Camões, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e, aqui e ali, vão surgindo exceções a esta corrente migratória rumo ao litoral. Tiago Alves e a Malcata Eco Experience representam um desses sinais.

Entre os residentes que Penamacor perdeu desde a década de 1970 estavam os pais de Tiago. Mudaram-se para Peniche, onde o Tiago nasceu e cresceu. No entanto, aos 34 anos de idade, este jovem decidiu trocar a “cidade da onda” pelas Terras da Lince. Seria um mau surfista?, perguntamos. “Não, sempre tive uma atraccão por esta paisagem, que vai mudando ao longo do ano”, responde. Aceitamos a resposta, mas à medida que a conversa avança, vai-se percebendo a raiz desta migração contracorrente.

Memórias inesquecíveis
No verão, as aldeias e vilas do interior enchem-se de gente. Alguns serão turistas, mas a maioria são filhos e netos das terras. É a chamada população flutuante, que faz subir a maré humana nestes povoados durante as férias escolares e épocas festivas. Tiago e os pais fizeram parte desta realidade ainda hoje bem presente em muitos povoados do interior do país. “Sempre tive muito boas memórias dos tempos que passei aqui”, revela. Durante anos, o gosto de Tiago pela vivência na terra natal dos pais esteve dormente, mas assim que a oportunidade surgiu, germinou.

Passeio junto à ribeira da Baságueda, Serra da MalcataEm 2018 surgiu-lhe uma oportunidade de emprego em Castelo Branco, as boas memórias pesaram e Tiago migrou para Penamacor. Um ano depois, a pandemia atravessou-se no seu caminho, mas Tiago flui como a água. O interior do país até pode estar a empobrecer em termos de património humano, porém, o histórico, o cultural e o natural permanecem e o seu valor foi acentuado pelo contexto pandémico e, em estado de emergência, Tiago vislumbrou uma oportunidade, juntou a formação académica ao gosto pelas atividades baseadas na natureza e começou a construir a Malcata Eco Experience.

Começou pela paixão pessoal pelo Stand Up Paddle. Em Peniche, sempre foi uma atividade que o cativou tendo-o levado a tirar o curso de Instrutor de Stand Up Paddle da ASUPP - Associação de Stand UP Paddleboarding de Portugal, na Foz do Arelho. Era uma oferta diferente na região e a albufeira da Barragem da Meimoa e a ribeira do Meimão eram locais excelentes para a prática da atividade.

Alguns dos jovens que todos os anos regressam às terras dos pais e avós para passar férias e viver as épocas festivas, são as sementes do futuro destas regiões. Tiago é um exemplo.

A frase de Leonardo da Vinci com que nos deparamos ao entrar no website da Malcata Eco Experience é reveladora. Talvez pelo ambiente onde cresceu, a água é o elemento preferido de Tiago, que faz questão de a colocar no centro de todas as atividades. “No início procurava a água como fonte de diversão, mas depois procurei dar-lhe uma outra conotação, não digo espiritual, mas de ligação privilegiada com a natureza”, explica. Mais do que para o Stand Up Padlle, Tiago usa hoje as pranchas para pôr as pessoas a flutuar nos exercícios que faz nas atividades de Wild Blue Mindfulness que a Malcata Eco Experience oferece.

Com a aprendizagem e a experiência pessoal que o tempo permite, Tiago foi diversificando as atividades oferecidas pela Malcata Eco Experience. Criou circuitos culturais, históricos e fez parcerias para dar a conhecer o negócio e as suas atividades, onde o bem-estar e as experiências sensoriais associadas na natureza foram ganhando cada vez mais peso.

Além da água, as atividades são orientadas também pela promoção da sustentabilidade ambiental. Tiago e a Malcata Eco Experience dão o exemplo. A promoção dos serviços disponibilizados é feita somente através de canais digitais, para evitar o uso de papel, e a t-shirt usada pelo fundador, com o logotipo da empresa estampado na frente, é feita em cânhamo orgânico. “Foi um desafio porque a empresa que faz as t-shirts não faz estampagem, mas encontrei uma artesã em Penamacor que me fez este trabalho”, conta, olhando com orgulho para o bordado no peito.

Banhos de Floresta. Vai um mergulho?
Uma das parcerias da Malcata Eco Experience é com o Município de Penamacor. No dia em que a iNature viajou até à vila raiana, Tiago convidou-nos a integrar uma comitiva de técnicos municipais dos gabinetes de desporto, cultura e ação social e educação. Aceitámos. O objetivo era preparar uma atividade inserida na “Academia Explorar e Aprender – Experimentação e Reforço de Conhecimentos”, uma iniciativa integrada num programa anual do município para a comunidade escolar, que este ano contempla um Banho de Floresta. “Desde o científico até ao livre, temos tentado explorar todas as possibilidades que a natureza nos proporciona e quando soubemos que o Tiago tinha esta atividade, decidimos experimentar”, explica, Raquel Moreira (à esq. na foto), Técnica do Gabinete de Acção Social e Educação do Município de Penamacor.

Banho de Floresta na Serra da Malcata - Malcata Eco ExperienceApós alguns quilómetros de automóvel, o motorista deixou a equipa no Parque de Campismo do Freixial, nas margens da ribeira da Baságueda. Dali fez-se uma pequena caminhada até uma zona de olival e mata onde Tiago explicou o conceito e os objetivos, e deu início à sessão de Banho de Floresta. Embora feita num contexto experimental com objetivos profissionais, houve introspeção, poesia espontânea e, claro, água. Acabaram a sentir a corrente da ribeira da Baságueda e, no final, houve uma surpreendente prova de águas minerais e de nascente.

Os Banhos de Floresta são uma atividade baseada na natureza que promove o bem-estar dos praticantes. No Japão, é uma tradição secular elevada ao estatuto de terapia. Chamam-lhe Shinrin-yoku e é recomendada para tratar diversas doenças físicas e mentais. No ocidente, em países como a Alemanha, Áustria e Reino Unido, há já florestas certificadas para ambas as práticas. “Os Banhos de Floresta surgem da minha experiência pessoal através das sensações que a paisagem do interior me proporcionou”, explica Tiago.

O jovem empreendedor já tinha ouvido falar desta prática, o que o levou a procurar informação e a fazer algumas experiências pessoais, que acabaram por resultar na criação da atividade. Entre os locais e os turistas, a curiosidade e a procura têm sido crescentes. “Os primeiros clientes que tive já tinham feito na Costa da Caparica e assim que souberam no alojamento onde estavam que era uma atividade possível, contactaram-me”, diz. No final do verão, Tiago tenciona obter a certificação de guia de Banhos de Floresta.

Ventos de mudança
Jovens a migrar e a criar negócios no interior, atores tradicionalmente conservadores a experimentar e promover conceitos inovadores, e florestas cujo valor começa a ser visto como superior ao do seu tempo de crescimento e peso em madeira. Nas regiões raianas, até Espanha, cujo ditado difama os vindouros ventos e casamentos, é hoje um país parceiro. “Estamos muito longe dos grandes centros e os 40 quilómetros que distam da vila até à A23 fazem-nos ficar muitas vezes fora dos roteiros dos turistas”, diz Tiago. “Temos que nos virar para Espanha. Eles estão a virar-se para nós”, exclama.

A atividade turística, pelo crescimento que está a ter no interior do país, têm-se mostrado fundamental para atrair investimento, inovação e capital humano a regiões que lutam contra a desertificação humana.

Na semana em que falámos com o jovem empreendedor, um grupo de empresários espanhóis visitava as Aldeias Históricas junto à raia, conta-nos Tiago. “A ideia deles é fazer uma rede de aldeias semelhante”, diz. “Afinal, do lado de lá da fronteira, as dificuldades são semelhantes”, aponta. Ele tem procurado parceiros do outro lado da fronteira e tem encontrado abertura. São ventos de mudança soprados pelo turismo, um setor que agarrado aos vários patrimónios existentes no interior do país, teima em crescer, a atrair investimento e o capital mais importante, o humano.

@iNature