Mikas no seu yoga matinal na Casa das Palmeiras Nature & Pedagogic FarmCasa das Palmeiras Nature & Pedagogic Farm

Viver o campo em terras do Senhor Gondufão e no imaginário de Camilo Castelo Branco

“Relaxa, ouve a natureza, aqui o tempo passa devagar”, parece dizer-nos Mikas enquanto faz o seu yoga matinal. O simpático gato é apenas um entre as dezenas de animais que habitam na Casa das Palmeiras, um alojamento rural que é simultaneamente uma quinta pedagógica com vários espaços de lazer. Entre eles uma biblioteca com curadoria de Abílio Travessas, o pai da nossa anfitriã, Joana Travessas (Joana). Cruzamo-nos com ele, antes do habitual passeio matinal acompanhado pelos três cães da quinta. Um deles, Argos, um magnífico Cão Serra da Estrela, relembra-nos onde estamos. A grande montanha, logo ali, no horizonte, é um dos motivos principais da viagem dos turistas que chegam à Casa das Palmeiras – Nature Houses & Pedagogic Farm. “Outros chegam e, simplesmente, ficam. Não saem daqui. Sobretudo as famílias com crianças”, conta Joana. A pouco e pouco, vamos percebendo porquê.

Um projeto nascido de uma crise
Além da “Horta da Ritinha”, da “Aldeia da Bicharada”, e do “Bosque encantado”, a Casa das Palmeiras – Nature Houses & Pedagogic Farm tem um campo de futebol, uma piscina biológica e vários espaços de lazer para miúdos e graúdos, todos com uma vida e um conjunto de atividades associadas que convidam os hóspedes a ficar, a participar nas tarefas do quotidiano da quinta ou, simplesmente, a fazer um pic-nic e a relaxar. “Como temos serviço de refeições, as pessoas não têm de se preocupar com nada”, explica Joana. Correção. Todas as manhãs, é necessário ir buscar o pão a um ponto de recolha na casa principal da quinta, uma prática ainda vigente na aldeia. Algumas vezes, o pão ainda está quente.

Joana Travessas, fundadora da Casa das Plameiras Nature & Pedagogic FarmJoana mudou-se de Coimbra para Gandufe aos dez anos de idade. A casa foi erguida em 1924 pelo bisavô Bernardo da Costa Faro, como está gravado a cisel no topo da fachada do edifício que foi outrora a mercearia da aldeia. “Foi uma mudança drástica, mas passei a ter uma quinta toda para brincar, trepar árvores, para me magoar, esfolar joelhos, etc”, conta. Enquanto os pais iam recuperando a quinta, Joana foi crescendo. Estudou em Nelas e mais tarde ingressou no Instituto Politécnico de Viseu onde se formou em Engenheira do Ambiente. Dali, saiu para uma multinacional de madeiras onde trabalhou dez anos até 2012, quando o país mergulhou numa crise profunda que gerou uma onda de despedimentos. A então responsável de segurança foi uma das vítimas da “troika”, como ficou conhecida a época, mas não se deixou levar pela depressão generalizada. “Nem é tarde, nem é cedo, pensei”. Agarrou na indemnização recebida e deu início ao projeto que há muito magicava. Algum tempo depois, de um palheiro e um aviário meio recuperados, nascem as quatro casas de campo da Casa das Palmeiras Nature Houses & Pedagogic Farm.

A aposta no turismo literário…
Gandufe é uma aldeia da freguesia de Espinho, concelho de Mangualde, com cerca de 450 habitantes. Não é uma aldeia de reconhecido valor histórico para o turismo, mas tem a sua história que Joana faz questão de evocar. Num breve passeio pela aldeia leva-nos à origem da povoação, a Torre Medieval de Gandufe. Ali viveu o Senhor de Gondufão, que disputava a região com o Senhor de Zurara, hoje Mangualde. No alto da Torre ainda são visíveis os vestígios de uma seteira, marca bélica das disputas entre os dois Senhores.

O monumento foi recuperado há alguns anos, mas Joana lamenta a falta de aposta no turismo da região por parte do município. “Apostam muito na gastronomia do cabrito e nas festas populares, mas ficam por aí”, adianta. Mas, Joana não é de ficar parada e tem criado o seu próprio produto turístico. Colocou sinalização na aldeia e criou a Rota dos Monumentos Milenares e a Rota do Retrato de Ricardina de Camilo Castelo Branco, uma rota literária que passa pelos locais retratados na obra (os que ainda existem). “Senti que não havia nada que levasse os hóspedes a conhecer a aldeia”, justifica. Atualmente, a empresária está a terminar uma Pós-Graduação em Turismo Literário, um segmento que acredita ser um “diamante em bruto” para a região. Quando terminar a formação, a empreendedora tenciona fazer uma proposta de desenvolvimento estruturada ao município para fomentar o turismo literário na região.

joão Costa e o filho João, um dos cada vez menos pastores na regiãod e Gandufe, Mangualde.…nas tradições locais
Bem mais vincado é o espírito e as vivências de aldeia que Gandufe mantém bem vivos, valores que Joana conhece bem das vivências de infância. “As experiências são fundamentais na oferta turística. E além de serem muito procuradas contribuem para a preservação das tradições locais”, defende. Foi nesta lógica que a Casa das Plameiras Nature Houses & Pedagogic Farm desenvolveu no ano passado o programa “Conhecer o Queijo: Do Pasto à Mesa”. Para isso estabeleceu uma parceria com uma queijaria local e com João Costa, um dos cada vez mais escassos pastores da região. Ganhou mais um parceiro e mais uma experiência de excelência para oferecer aos hóspedes, mas ficou a conhecer uma realidade que a preocupa. O aumento dos custos de produção não acompanhado por um aumento proporcional do preço de venda do leite está a afastar as pessoas da atividade. Joana chega a ver neste êxodo um risco para a produção Queijo da Serra da Estrela DOP. Isto porque o leite para a sua produção tem de ser proveniente de ovelhas Bordaleiras Serra da Estrela, mas como a raça é pouco produtiva quando comparada a outras, tem vindo a ser substituída, originando uma cada vez menor produção de leite para a produção do queijo certificado 

A pastorícia é uma atividade bonita de ver e importante para a valorização do turismo no espaço rural, mas para quem a vive no dia-a-dia, a dureza e fraca rentabilidade pesam cada vez mais na sua manutenção. As contas de João Costa são simples. “Uma ovelha Bordaleira dá em média metade do leite que dá uma ovelha moucha, e o preço do litro de leite das bordaleiras é vendido 0,10€ a 0,15€ mais caro. Não compensa”, diz João. Atualmente, o leite das ovelhas bordaleiras puras é comprado pelas queijarias aos pastores por um preço a rondar 1,5€ por litro, um valor muitas vezes subsidiado. Seia, Gouveia e Mangualde são alguns dos municípios que subsidiam o preço do leite de ovelhas certificadas. Curiosamente, Mangualde só apoia os pastores que entreguem o leite a uma determinada cooperativa da região, uma situação que João entende ser injusta e, porventura, ilegal.

João, 11 anos, no meio do rebanho de ovelhas bordaleiras e mouchasO filho de João Costa, também ele João, é um apaixonado pela pastorícia e pela vida no campo e deseja seguir os passos do pai. Uma ideia à qual o pai João torce o nariz. “É uma vida muito dura e muito pouco rentável”, diz. Na pastorícia, o horário de trabalho é pautado pelo sol e não permite férias ou feriados. Mesmo assim, não dá. Para ganhar mais algum dinheiro, João faz tosquias. Na época que agora vai começar chega a tosquiar 80 ovelhas por dia. “As costas já se sentem”, diz. Para o pastor, enquanto o preço do leite certificado não atingir os 2€/litro, não compensa ter ovelhas da raça Bordaleira da Serra da Estrela. Aliar o turismo às tradições locais, é uma ajuda para a economia da família, mas não chega para atrair novos pastores e impedir a diminuição do número de efetivos da raça Bordaleira em atividade nesta região, o que está a colocar uma enorme pressão sobre uma das atividades mais emblemáticas das regiões serranas e, em particular, sobre a produção do Queijo Serra da Estrela DOP.

…e num turismo sustentável
Deixamos o prado e regressamos à quinta. Lá está o Mikas, noutra posição de yoga a viver a sua vida de gato. Passamos pela “Horta da Ritinha”, onde são produzidos legumes em modo de produção biológica que são usados nas refeições servidas aos hóspedes. O respeito pelo meio ambiente, a educação ambiental e a sustentabilidade são práticas correntes na Quinta Pedagógica. Por exemplo, as sobras da alimentação da casa e dos alojamentos são alimento da Pepa, a porca. E o que não servir para alimento é compostado. Nada se perde, tudo se transforma.

“A ideia da quinta pedagógica surgiu já depois dos alojamentos”, conta Joana. “Foi uma forma de rendimento complementar”, adianta. A Quinta Pedagógica está aberta todo o ano a toda a gente. Passamos pelo lounge, pelo velho carvalho que no verão sombreia o serviço de bem-estar – massagens – e rumamos ao bosque encantado. Há uma particular atenção com os espaços para as crianças, o que nos leva a compreender porque as crianças não querem sair daqui.

Abílio Travessas na sua biblioteca - Casa das Palmeiras Nature & Pedagogic FarmRegressamos à casa principal. Lá está o Mikas na sua vida de gato. Na receção é mais uma vez visível a abordagem holística da visão de Joana em relação ao turismo. Ali se encontram à venda vários produtos da região e da quinta, como o azeite. Quem vier no outono pode viver a experiência da safra da azeitona e da produção de azeite. Embora não produza, Joana também gosta de levar os hóspedes a conhecer a vitivinicultura da região. E até tem um veículo especial para o efeito – um Citroën 2cv.

Entretanto, Abílio Travessas já regressou do passeio matinal e está no seu lugar preferido da casa, a biblioteca. Debruça-se sobre um livro de história. Troca dois dedos de conversa e mostra-nos a sua coleção de esculturas em bronze de cães de raça portuguesa. Aposentado da prática do Direito, passa agora o tempo a ler, a desfrutar dos animais e a passear pela natureza. Quem não gostaria? É a vida do campo e de quem passa pela Casa das Palmeiras Nature Houses & Pedagogic Farm. Melhor, só a vida do Mikas.

@iNature.

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