Pela primeira vez, Portugal possui uma organização que junta agentes privados, universidades e administração pública em prol de um único objectivo: a gestão integrada da floresta e dos fogos rurais. Nas vésperas do IV Congresso Internacional Floresta e Potencial para a Saúde, organizado pela iNature na vila de Luso, Carlos Fonseca, Diretor Técnico e Científico do ForestWISE – Laboratório Colaborativo para Gestão Integrada da Floresta e do Fogo, e um dos oradores do Congresso, explica o trabalho que esta associação está a fazer para mudar a forma de gerir a floresta e mitigar o flagelo dos grandes fogos florestais rurais no país.
Os dois últimos anos têm sido atribulados para Carlos Fonseca. Desde que o biólogo e a sua equipa assumiram funções no ForestWISE, em fevereiro de 2020, tem sido um frenesim de contactos, reuniões e trabalhos de campo. Até a conversa que deu origem a este texto aconteceu ao longo de uma viagem de regresso a casa pelas estradas da Serra do Alvão, após uma interação com um conjunto de parceiros nacionais e internacionais sobre o uso da pastorícia na redução da biomassa nos sistemas florestais. E percebe-se porquê.
Composto por quinze associados, entre empresas, universidades, organismos públicos e vários parceiros, este laboratório colaborativo, é um dos 35 existentes em Portugal reconhecidos pela Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) e tem como objetivo desenvolver atividades de investigação, inovação e fazer a transferência deste conhecimento e tecnologia das universidades para as empresas, o que obriga a uma presença e comunicação constantes junto dos vários agentes envolvidos. Porém, o contexto pandémico veio dificultar os trabalhos. “Até tivemos de contratar pessoas para a equipa por videoconferência”, confessa Carlos Fonseca que, no entanto, mostra-se orgulhoso do elevado nível de qualificação e multidisciplinaridade das duas dezenas de profissionais que constituem a equipa executiva do ForestWISE.
Trabalho em curso
Apesar do curto período de atividade, o ForestWISE está já envolvido em 12 projetos nacionais e outros tantos a nível europeu. ”As coisas estão a acontecer. A escala e o tempo são muitas vezes um problema, porque estamos a falar de processos que demoram a ser implementados, mas sente-se que há uma mobilização do setor e uma grande confiança e expectativa de todos os envolvidos no papel do ForestWISE”, diz.
Um desses projetos é o áGIL.TerFoRus, um trabalho que baseia-se na utilização da tecnologia LiDAR, uma ferramenta de leitura do território através de um sistema laser aerotransportado, cujos dados permitem avaliar a estrutura florestal, a biomassa e o risco de incêndio. “É uma ferramenta que nos permite conhecer melhor a floresta que temos, porque permite identificar as áreas que carecem de intervenções de mitigação de risco de incêndio”, explica Carlos Fonseca. O áGIL.TerFoRus incidiu sobre 45 mil hectares em sete territórios-alvo de grande diversidade e deu origem a um relatório onde consta a análise, os procedimentos metodológicos adotados, os resultados, conclusões e recomendações. Está em fase de conclusão.
”As coisas estão a acontecer. A escala e o tempo são muitas vezes um problema, porque estamos a falar de processos que demoram a ser implementados, mas sente-se que há uma mobilização do setor e uma grande confiança de todos os envolvidos no papel do ForestWISE”.
O ForestWISE é orientado por uma agenda de investigação, desenvolvimento e inovação definida pelos stakeholders, discutida e desenvolvida por todos durante mais de um ano. “É esta agenda que nos rege, pois contém o respaldo de todo este projeto mobilizador que integra os parceiros e que incide sobre as nossas principais linhas de atuação”, explica o Diretor Técnico e Científico do ForestWISE. Os projetos têm uma componente do investimento financiada por programas e fundos europeus, o que os obriga muitas vezes a serem liderados por empresas. O rePLANT é um exemplo. Com um investimento de 5,6 milhões de euros para executar em três anos, o rePLANT assenta em três pilares fundamentais - Gestão da Floresta e do Fogo, Gestão do Risco e Economia Circular e Cadeias de Valor – e é liderado pela The Navigator Company e pelo ForestWISE, contando com outros 20 parceiros, entre o quais, a Sonae Arauco, o Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, a REN – Redes Energéticas Nacionais e a Universidade de Coimbra. No entanto, mesmo quando não assume a liderança, o laboratório colaborativo tem um papel de interface, de aglutinador e coordenador entre os vários agentes envolvidos.
O empurrão do PRR
O Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e os 615 milhões de euros previstos no plano para as florestas, terá um papel relevante na ação do ForestWISE. Para já o laboratório está presente em duas grandes candidaturas. A primeira integra-se na componente cinco das Agendas Mobilizadores e Agendas Verdes para a Inovação Empresarial, e engloba um investimento total de 152 milhões de euros para executar até ao final de 2025. “Neste projecto TransForm, o ForestWISE identificou os principais players empresariais e industriais e estes, por sua vez, identificaram as grandes necessidades do sector e, daqui, foram buscar outros parceiros para completar este consórcio”, conta Carlos Fonseca. Com 55 parceiros e cerca de 30 projetos, esta candidatura encontra-se na fase de formalização e será entregue até 13 de abril.
É uma candidatura que incide sobre toda a cadeia de valor da floresta, englobando áreas que vão desde o melhoramento genético das plantas, novas técnicas de mobilização e uso dos solos, utilização de subprodutos da indústria florestal para a construção de estradas multi funcionais, e que vai também ao encontro de conceitos de economia circular, como o uso da madeira em construções mais sustentáveis,e a concretização do "ForestSTATS", um "Pordata" das floresta, e a "Forest Knowledge Academy", entre outros projetos transformadores. “Diria que o TransForm será o projeto com maior impacto no setor florestal e também dos fogos, porque iremos trabalhar ao nível da floresta, da sua gestão e das questões ambientais e socioeconómicas que a envolvem, como é o caso da mitigação dos grandes fogos rurais”, afirma.
A outra candidatura no âmbito do PRR insere-se na componente 12 e está relacionada com a revalorização da resina natural. Desta feita liderado pelo ForestWISE, este consórcio, designado RN21, é composto por 38 promotores e 22 projetos incidentes sobre toda a cadeia de valor da resina natural. No total estão previstos cerca 30 milhões de euros de investimento, 17,5 milhões dos quais sob a forma de incentivo.
Dar rendimento à floresta
Seja com os associados ou com os parceiros, todos os projetos têm um objetivo comum além da transferência de conhecimento entre as universidades e as empresas: contribuir para a definição de políticas públicas relacionadas com a gestão da floresta e dos fogos e interligar os vários programas que existem com enfoque nestes temas, de forma a tornar a floresta mais resiliente e também rentável para os proprietários. “Se os proprietários tirarem rendimento da floresta, vão geri-la e cuidar dela”, defende Carlos Fonseca.
“Se os proprietários tirarem rendimento da floresta, vão geri-la e cuidar dela”.
Um dos projetos que pretende contribuir para esse rendimento é o “Ocupações Compatíveis” desenvolvido com a E-REDES, um dos associados do ForestWISE. Este projeto tem enfoque nas faixas de terreno onde estão instaladas as linhas de média e alta-tensão, no sentido de encontrar espécies arbustivas que possam ali ser plantadas, contribuindo para a proteção das linhas e para a mitigação do risco de incêndio, mas também para o rendimento dos proprietários daqueles terrenos, onde agora não se pode plantar nada. “Este trabalho está a ser feito ao nível concelhio, de acordo com as condições edafoclimáticas de cada um, e dará origem a uma lista de espécies mais adequadas a cada local”, explica Carlos Fonseca.
Já com a Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais (AGIF), o ForestWISE tem em curso vários projetos que irão contribuir para a legislação ao nível da gestão das faixas de combustível. E, com o Instituto da Conservação das Florestas e Florestas (ICNF), que é associado um parceiro estratégico, está a desenvolver um trabalho relacionado com a avaliação do programa de sapadores florestais que poderá contribuir para a definição da estrutura e do próprio financiamento futuro do programa.
Expectactivas elevadas
No total, o ForestWISE está envolvido em cerca de 25 projetos, metade de âmbito nacional e muitos já em execução, e a outra metade em parceria com entidades europeias. “Temos a perceção que há uma grande expectativa mas, neste momento, temos condições para fazer diferente e melhor”, defende. Para o professor da Universidade de Aveiro, agora “emprestado” ao ForestWISE, “o ano 2017 foi o ponto de viragem” que contribuiu para uma maior consciencialização coletiva destas questões.
“Temos a perceção que há uma grande expectativa mas, neste momento, temos condições para fazer diferente e melhor”.
Tendo em conta os subprogramas debaixo do Programa de Transformação da Paisagem, onde se incluem o programa Áreas Integradas de Gestão da Paisagem, o Condomínio de Aldeia, entre outros, que se somam à estratégia prevista no PRR, pode-se dizer que existem hoje recursos financeiros e humanos como nunca houve. “Estamos a colocar as sementes para que os frutos daqui a alguns anos sejam diferentes dos que temos colhido até agora”, acredita Carlos Fonseca. “Isto não quer dizer que não venham a acontecer fenómenos como os que aconteceram em 2017, mas começa a haver sinais de uma melhor preparação para o que sabemos que é inevitável: os fogos rurais”, adianta.
Ou seja, o ForestWISE, como a Guarda Nacional Republicana, a ANPEC, a AGIF, as empresas, as universidades, o ICNF e a Administração Pública, fazem parte de uma equação que “associada ao conhecimento e à transferência de tecnologia, leva-me à convicção que as próximas décadas serão melhores que as passadas, no que concerne à gestão da floresta e do fogo”, remata. Ou seja, estão lançadas as sementes para uma "floresta 4.0".
@iNature