Na Eslovénia, o Bohinj Triglavski Park é uma referência no panorama internacional do marketing territorial e do turismo sustentável. Jana Vilman, diretora do turismo de Bohinj, é a responsável por este feito e a iNature falou com ela antes do IV Congresso Internacional Floresta e Potencial para a Saúde, onde a investigadora será uma das oradoras (dia 7 às 10:45 horas), para perceber o segredo da notoriedade do trabalho realizado naquele pequeno vale dos Alpes Julianos, em pleno Triglav National Park.
Quais são as características do Bohinj Triglavski Park?
É uma região alpina nos Alpes Julianos – Julian Alpes –, no Triglav National Park, um parque nacional que tem o maior lago da Eslovénia e é um dos mais importantes e conhecidos destinos turísticos do país desde 1905. É uma região magnífica, conhecida pelas suas paisagens naturais e pelo maior lago da Eslovénia – Lago Bohinj -, onde se podem praticar todo o tipo de atividades ao ar livre, tanto no verão como no inverno. É também o primeiro e ainda o único destino da Eslovénia com o galardão Slovenia Green Destination Platinum, o mais importante galardão de turismo sustentável da Eslovénia.
Quais são os critérios ou o que é que vos distingue das demais regiões turísticas da Eslovénia para terem alcançado essa certificação?
O Slovenia Green Destination Platinum é muito mais do que uma certificação. É um selo que premeia a forma como estamos a trabalhar nesta região. O trabalho que fazemos em conjunto com os nossos stakeholders – todos os agentes que, de forma ativa ou passiva contribuem para o resultado de um projeto -, os habitantes locais, os investidores, e todos os que visitam e têm alguma relação com o vale. Temos uma relação muito próxima e gerimos o território em conjunto. A forma como os agricultores gerem a terra, a produção, as atividades económicas, como é promovida e desenvolvida a identidade local como fator de diferenciação turístico, a forma como são geridos os recursos, como a água e a energia, o lixo, a mobilidade, o desenvolvimento rural, e como encurtamos a cadeia de distribuição local. A lista de critérios é vasta e nós temos desenvolvido uma estratégia que, com a intervenção de todos, está a conseguir resultados notáveis. Embora, reconheço, nem sempre tem sido fácil.
"Para traçar novos caminhos é por vezes necessário mudar hábitos e mentalidades
e isso demora muito tempo a conseguir e a produzir resultados".
Ao longo destes anos de trabalho, quais foram os maiores desafios encontrados no desenvolvimento dessa estratégia?
O trabalho com os agentes locais, sem dúvida. Para traçar novos caminhos é por vezes necessário mudar hábitos e mentalidades e isso demora muito tempo a conseguir e a produzir resultados. É neste campo que temos aplicado boa parte dos nossos esforços e recursos na última década. O segundo maior desafio, eu diria que é o trabalho junto dos turistas. Não é fácil explicar-lhes que não podem andar de carro por todo o lado e que devem adotar uma mobilidade mais verde, usar os transportes públicos do parque. Para melhorar este aspeto da mobilidade mais verde e responsável, criámos um sistema que penaliza os turistas que levam o automóvel para dentro do parque, através do agravamento do custo do estacionamento.
Essas regras são apenas para os visitantes ou também para os residentes?
As regras são as mesmas para todos, mas não são estritas. Todavia, foi a forma que encontrámos para mudar alguns hábitos e mentalidades que, na nossa opinião, são pejorativos para a preservação do espaço. Nós tínhamos um problema de excesso de automóveis junto ao lago, que ia contra todos os princípios que defendemos para o turismo no vale e aumentamos drasticamente os preços do estacionamento junto às margens do lago. Apesar de ter já alguns anos, esta política continua a não ser pacífica. Houve manifestações, muita discussão nas redes sociais, e até esteve cá uma cadeia de televisão a fazer uma reportagem sobre o assunto, mas julgo que conseguimos passar a mensagem que é uma política para o bem do parque e do tipo de turismo que defendemos para o vale. Em alternativa criámos parques de estacionamento gigantes na orla do parque e um sistema de transportes públicos baratos que permite aos visitantes e até aos residentes deslocarem-se para qualquer ponto do parque. Isto é uma forma de mudar os hábitos e as mentalidades, dos visitantes, mas também dos habitantes locais. Mas, claro, não é fácil de implementar e de ser aceite.
Qual é o balanço que faz desta década de trabalho. Estão a alcançar os objetivos que estipularam?
A estratégia de desenvolvimento do turismo de Bohinj assenta na ligação entre turismo, conservação da natureza e cultura local. Queremos que o turismo seja um instrumento de proteção da natureza. Os responsáveis pela conservação da natureza no Triglan National Park – a autoridade local semelhante ao Instituto da Conservação da Natureza e Florestas - não querem turistas em algumas áreas, mas se nós conseguirmos mudar a mentalidade dos turistas, conseguimos que todos desfrutem da natureza da região. Porém, temos que agir com cuidado.
Para chegar a estes três vetores fizemos vários estudos, um deles foi junto dos habitantes locais e o resultado foi surpreendente, porque concluiu que os locais estão entre os maiores defensores do património natural local. Por exemplo, eles não gostam de ver os turistas a passear pelos prados, porque pisam as plantas e estas, além de serem muito importantes para o ecossistema, ficam inutilizadas como alimento para os animais.
A estratégia de desenvolvimento local e de preservação do património natural de Bohinj é baseada em estudos junto da comunidade local e científica, e é periodicamente avaliada com todos os stakeholders.
Ou seja, há um equilíbrio muito ténue entre a promoção do turismo e a manutenção da vida e atividades locais.
Sim. Temos que ter consciência que o turismo altera a vida dos locais e essa realidade é um desafio para nós. Será que devemos promover valores e características como a delicadeza do ecossistema, o silêncio e a calma, ou devemos mostrar a realidade que temos no verão, quando há uma enorme quantidade de turistas. A área de Bohinj tem cerca de cinco mil habitantes e a região vende 700 mil noites por ano, a maioria em julho e agosto. Os locais gostam de ter visitantes, mas querem que trabalhemos para que o número de visitantes seja mais repartido ao longo do ano. Este problema chega a provocar problemas de trânsito.
Criaram uma marca regional. Qual foi o fundamento por trás deste projeto?
A criação da marca de produtos locais baseou-se num estudo realizado junto da população da região, que concluiu que os produtores locais tinham dificuldade em escoar os seus produtos. Neste sentido criámos uma marca regional que, entretanto, foi certificada e desenvolvemos uma estratégia de promoção através de vários canais de distribuição e de uma estratégia de ligação entre os produtores e os consumidores. Começamos pela certificação dos alimentos e pela criação de critérios de certificação dos restaurantes. Por exemplo, agora, para que um restaurante seja certificado, a sua ementa tem que conter 40% de produtos com origem no parque. Depois iniciámos a certificação dos alojamentos, e aqui fomos buscar a indústria de mobiliário local. Estimulámos a aposta no design, onde participamos através de consultoria de design gratuita, e os hotéis começaram a usar o mobiliário dos artesãos locais. O resultado foi muito interessante, porque mostrou que um melhor design de interiores era gerador de valor acrescentado. Os hotéis não só conseguiram aumentar os preços sem prejudicar a procura, como se assistiu a uma diminuição da sazonalidade.
E o impacto na produção agrícola?
Estamos agora a trabalhar nessa área, porque estamos com um problema de oferta. Em 2008 existiam 400 quintas na região e agora são apenas 200, porque o investimento é canalizado para a hotelaria, onde a rentabilidade é superior. Fizemos também um estudo sobre o valor da cadeia alimentar do vale e sobre quanto é que gastam os hotéis e os restaurantes e estamos a trabalhar com os agricultores no sentido de os incentivar a produzir determinados produtos que têm uma elevada procura por parte dos hotéis e dos restaurantes. É preciso um grande entrosamento entre todos os agentes locais para que consigamos o equilíbrio desejado por todos. É mais um pequeno passo na nossa caminhada, mas os resultados são muito bons, o que nos leva a continuar a trabalhar com muito gosto e entusiasmo.
"Quem gere um destino, uma marca territorial, tem que conhecer pessoalmente todos os seus stakeholders,
ter com eles uma relação muito próxima, viver a região e na região.
Não é possível fazer a gestão de uma marca territorial a partir do escritório".
Mencionou a importância do design. Sei que tem um trabalho vasto nesta área e na ligação do design com a indústria local, como forma de melhorar a atração do território e da atividade turística. Qual é a importância desta estratégia no desenvolvimento da região?
É muito importante porque está relacionado com o aumento da qualidade dos produtos locais. Começámos com os agricultores e com os produtos deles. Sabíamos que tinham qualidade, mas o aspeto visual não era o melhor. Iniciámos então um projeto de design ao nível do packaging – embalamento – e formação em técnicas de venda, de acordo com o tipo de consumidor final, que levam à prática de preços mais elevados, sem que isso prejudique a procura. E fizemos este trabalho junto dos artesãos do mobiliário da região que consistiu no projeto de consultoria gratuita do qual já falei. Estas duas ações e os resultados produzidos originaram uma maior abertura dos agentes económicos locais ao nosso trabalho, e conseguimos que eles vejam as coisas de maneira diferente, mais orientada para o negócio e a valorização dos produtos locais.
Vai falar sobre o seu trabalho no IV Congresso Internacional Floresta e Potencial para a Saúde. Qual é a mensagem que vai tentar passar?
A principal é que “nada acontece de um dia para o outro”. Depois, igualmente importante, é que, quem gere um destino, uma marca territorial, tem que conhecer pessoalmente todos os seus stakeholders, ter com eles uma relação muito próxima, viver a região e na região. Não é possível fazer a gestão de uma marca territorial a partir do escritório. Irei sublinhar também a importância de ter uma estratégia bem definida. Todos os nossos pilares-chave e temáticas de desenvolvimento têm uma estratégia confirmada por estudos e pela informação dada por todos os stakeholders. Nós temos reuniões frequentes com toda a gente que trabalha na região, com os habitantes, com académicos, especialistas, de forma a validar constantemente o caminho definido, e a quantificar os resultados das várias fases dos projetos. As coisas nem sempre correm como pretendemos ou à velocidade que desejamos, porque não é fácil mudar hábitos e mentalidades, mas é muito importante integrar os habitantes locais numa estratégia turística porque, se o conseguirmos fazer, eles tornam-se os principais promotores da região e isso facilita muito o trabalho.
@iNature.