Um emigrante de regresso às raízes e um jovem de Abiúl apaixonado pelo património da sua região juntaram-se para criar a Sicoxperience, uma marca que quer responder à escassez de produto estruturado que responda aos turistas que querem ver, conhecer e viver a região de Sicó.
Rui Rua, 31 anos, sempre soube bem o que queria para a sua vida. O património natural e cultural da região onde nasceu, Abiúl, no concelho de Pombal, cedo o inclinaram para o turismo. Licenciou-se na área e começou a vender souvenirs do concelho e a organizar workshops temáticos sobre as técnicas de artesanato locais, mas a vida de empreendedor, sobretudo, no interior do país, não é fácil. “Muitas vezes, o trabalho era demasiado para o rendimento que obtinha”, conta. Porém, resiliente, insistiu, e durante a realização do Mestrado em Turismo Interior, numa visita ao Arouca Geopark, teve uma ideia. “Vi que eles tinham construído ali um bom produto e ao ver que também tinha aquilo na minha região, decidi criar o meu negócio”, diz. Ainda na loja, virou-se para a organização de excursões. Era o início da Culnatur, uma empresa de animação turística.
Em sentido oposto, Miguel Silva, 46 anos, cedo emigrou para França. À semelhança do que acontece um pouco por todo o interior do país, são muitos aqueles que buscam além-fronteiras uma fonte de rendimento que proporcione uma vida mais desafogada. Com o irmão criaram uma empresa de construção civil e ali desenvolveram o seu negócio, mas a ideia de regressar esteve sempre presente e, em 2009, começou a adquirir algumas casas devolutas com o intuito de as recuperar e converter em alojamentos locais. As Casas de Calcário começavam a ganhar forma.
Numa região onde não abunda oferta e empreendedores no setor do turismo, Rui e Miguel estavam destinados a cruzar-se. Aconteceu em 2016. “Ele viu utilidade em juntar as casas a uma empresa de animação turística”, explica Rui. Apesar das potenciais sinergias, o jovem teve dúvidas. A Culnatur estava direcionada para o mercado local e os hóspedes das casas de Miguel eram sobretudo estrangeiros. A parceria acaba por nascer durante uma caminhada organizada para assinalar a inauguração de uma das Casas de Calcário, mas passados alguns anos, as dúvidas de Rui revelaram-se legítimas. “Ainda não conseguimos criar um produto apetecível em termos de preço e qualidade para vender aos hóspedes das Casas de Calcário. Esta tem sido a nossa luta”, diz Rui. O melhor que conseguiram foi juntar por algumas vezes os hóspedes das Casas de Calcário a atividades de grupo da Culnatur. Apenas uma vez conseguiram vender uma atividade a um casal de franceses. Ainda assim, não esmoreceram, convictos que a estruturação do produto é o caminho correto para acrescentar valor à oferta turística da região, avançaram para a fusão das duas empresas e a criação de uma nova marca, a Sicoxperience.
Os ensinamentos da pandemia
Na opinião do jovem empreendedor, o fraco poder de compra dos turistas nacionais pode estar na base do insucesso da primeira tentativa da estruturação de produto realizada. Rui admite que é "puxado" pedir 80 euros por uma atividade a um casal, por exemplo, mas também que o contexto pandémico pode ter influenciado o resultado da estratégia. Mas, para o empreendedor, além de difícil para a atividade, o passado recente foi rico em aprendizagens úteis para a estratégia a definir no futuro.
A pandemia trouxe muitas mudanças ao mercado e às preferências dos clientes. A primeira foi a chegada em força da procura nacional e, a segunda, foi a procura por alojamentos, com piscina ou espaços privados. “As casas com piscina alugavam-se, as outras não”, conta. Neste sentido, no final da época alta de 2020, Rui e Miguel fizeram alterações nas casas de forma a adequá-las às novas preferências e, como nem todas tinham espaço para piscina, decidiram apostar em jacuzzis. “Foi um bom investimento”, diz. “Este ano tivemos taxas de ocupação muito boas em maio e junho”, adianta, sublinhando que, todavia, os meses de época alta já não tiveram tanta procura como no ano anterior.
Aposta no digital
Na opinião do agora sócio e subgerente da Panoramas e Circuitos, que agrega as marcas Cultanur, Casas de Calcário e Sicoxperience, a normalidade sanitária representa também o regresso dos portugueses às férias na praia. “Há uma franja que vai continuar a vir, porque houve pessoas que descobriram algo que não conheciam e gostaram”, diz. Todavia, são várias as razões que levam os dois sócios a colocar o enfoque no mercado estrangeiro. “Os estrangeiros valorizam mais o nosso interior que os portugueses”, diz Rui, o que associado ao seu maior poder de compra permite praticar preços mais elevados, mas não só. Os estrangeiros são também responsáveis por estadias mais longas. “São capazes de sediar aqui umas férias em Portugal. Ficam uns dias por aqui, noutro dia vão conhecer Lisboa, no outro, o Porto, dão um ‘salto’ à praia, mas ficam aqui”, explica, adiantando que os portugueses vêm quase sempre só para passar o fim de semana. Logo, a estratégia futura passa pela aposta no mercado estrangeiro, sobretudo, no francês, onde já estão através da presença no site amivac, o “booking” francês, deixando o mercado nacional para a época baixa. E, para conseguir melhores resultados, vão apostar em marketing digital e numa estratégia de vendas diferente, onde a Sicoxperience terá um papel fundamental.
A ideia passa por vender pacotes turísticos que incluem estadia e atividades, através de canais específicos para atrair clientes dispostos a pagar mais. “Temos de ir buscar clientes fora do booking e do airbnb, porque estes só querem alojamento e, para isso, temos que apostar em publicidade digital”, defende. “Esta era uma área a que não dávamos muita importância, mas este ano gastamos algum tempo e dinheiro e os resultados apareceram”, diz, revelando que conseguiram aumentar substancialmente os preços de venda com publicidade digital direcionada.
Rede de esperança
Entre as várias regiões de turismo do centro, Sicó estará entre as mais difíceis de “marketizar” em termos de turismo de natureza. Sem florestas de assinalar, os fósseis e as formações geológicas, de onde se destacam as Buracas do Casmilo, estão entre as poucas atrações naturais de uma região que também não conta com praias fluviais para refrescar os turistas durante as altas temperaturas da época alta. No entanto, a beleza da região do rabaçal, onde é produzido o queijo com o mesmo nome, e os vários vestígios da romanização na região, são produtos de valor onde a Sicoxperince pretende apostar.
Todavia, na opinião de Rui, a maior fraqueza das políticas de turismo para a região “é a falta comunicação”, diz, não descartando a sua quota-parte de responsabilidade como empresário do setor. A inexistência de uma política uniforme, regional, é outro ponto referido. “Além da política de cada município, se há uma associação cujo objetivo é desenvolver o turismo de todos os municípios da região Sicó – Terras de Sicó – devia haver também uma estratégia comum”, defende.
Para o empresário, o heterogéneo estado de conservação e sinalização das sete etapas da GR26 – Terras de Sicó, é um exemplo. “A etapa que passa em Pombal até está limpa e sinalizada, mas o mesmo não se pode dizer das restantes”, adianta. “As coisas fazem-se, mas depois não lhes é dada continuação”, lamenta.
Já na relação entre o setor público e o privado, um dos elos fundamentais para o sucesso turístico de uma região, Rui defende que ambos se devem ver como parceiros na prossecução do desenvolvimento do território. “Não é justo que os municípios, as juntas de freguesia e até algumas associações organizem atividades sem ter os seguros e os alvarás que a Culnatur tem que ter”, exemplifica.
Apesar das dificuldades que a pandemia trouxe ao setor, Rui Rua e Miguel Silva estão confiantes no futuro. O site da Sicoxperince será lançado em breve com uma oferta revigorada e inovadora que os empresários esperam cativar novos visitantes para a região que beneficiará em breve da criação da Rede das Aldeias do Calcário (RAC).
A RAC é um projeto gerido pela Associação de Desenvolvimento Terras de Sicó que, numa primeira fase, englobará seis aldeias e, numa segunda fase, outras seis. De forma sucinta, cada aldeia terá uma unidade de apoio à visitação, feita em calcário, que serve de elemento identificador da integração na rede e, posteriormente, caberá à Terras de Sicó fazer a interligação territorial das aldeias, através da criação de itinerários e sinalética, por exemplo. Desta forma, a Rede de Aldeias do Calcário será a quarta rede de aldeias na região centro, depois da Rede de Aldeias Históricas de Portugal, Rede de Aldeias do Xisto e Rede de Aldeias de Montanha, projetos que apesar de estados de maturidade distintos têm-se mostrado positivos para o desenvolvimento dos territórios abrangidos.
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