Catarina Vieira (à esq. na foto) e Rodolfo sonharam ter uma floresta, um local onde pudessem plantar árvores. Quase uma década depois, o sonho transformou-se no Chão do Rio - Turismo de Aldeia, um lugar onde o coaxar das rãs “sentadas” nos nenúfares da piscina e o colorido das casas de pedra cobertas por telhados de giesta dão asas à imaginação.
Quando em 2001, Catarina e Rodolfo decidiram comprar oito hectares de terra e uma ruína na aldeia de Travancinha, no concelho de Seia, nunca pensaram no que o futuro lhes ia reservar. “Foi um ato de loucura”, diz Catarina. A viver em Ílhavo, o casal sempre teve uma vida citadina, mas as memórias de infância gravadas nas casas dos avós marcou-lhes para sempre o gosto pela natureza e pela vida no campo. Ao fim-de-semana, caminhada após caminhada, o sonho foi crescendo. “Queríamos ter uma floresta, um sítio onde pudéssemos plantar árvores”, explica. Um dia, um terreno com ruína e uma dimensão generosa a um preço aceitável, fê-los cair na tentação. As caminhadas deram lugar a fins-de-semana a cortar silvas, a recuperar o terreno e a ruína.
O sonho corria bem, até que a crise de 2008 os acordou para uma realidade diferente. Com o negócio da construção em baixa, os pais de Catarina venderam a empresa familiar e a até ali responsável financeira viu-se de repente no desemprego. Mas, como se costuma dizer, “quando se fecha uma porta, abre-se uma janela”, e talvez tenha sido este o caso. Incapaz de ficar parada, a gestora inscreveu-se numa Pós-Graduação em Turismo. “Tinha a ideia que o turismo iria ser um setor de futuro. E tínhamos um terreno onde até se podia vir a fazer qualquer coisa”, justifica. Naquela altura, a ideia de utilizar o terreno para um negócio não era de todo consensual entre o casal. “O Rodolfo detestava a ideia de ter que partilhar o espaço”, conta-nos. Porém, pouco tempo depois, Rodolfo é também apanhado pela crise e a manutenção do espaço tornava a visão egoísta demasiado onerosa. “Percebemos que tínhamos que fazer algo com isto. Caso contrário, a alternativa seria vender”, confessa.
Ambição, sorte e boa vontade
Desenvolver um projeto comum quando as partes não estão em consonância pode tornar-se complicado. Ainda hoje, Catarina e Rodolfo têm papéis distintos na gestão do Chão do Rio. “A gestão do dia-a-dia fica comigo, mas o Rodolfo tem sempre aquela palavra certa no tempo certo”, diz Catarina. Rapidamente se percebe que as visões diferentes entre ambos se diluíam na vontade comum de conservar o espaço. Arriscaram.
Com os conhecimentos adquiridos por Catarina no curso, obtiveram as licenças necessárias e colocaram a casa da quinta no mercado do arrendamento turístico, e a experiência correu bem. “As pessoas adoravam”, diz Catarina. Incentivado pelo sucesso, Rodolfo rendeu-se à hipótese de criar ali um projeto turístico e decidiu ir a uma reunião na ADRUSE – Associação de Desenvolvimento Rural da Serra da Estrela. Estas associações têm um papel fundamental na ligação dos empreendedores com as entidades gestoras de instrumentos de financiamento às atividades económicas regionais. “Ele veio de lá muito entusiasmado”, conta Catarina. Porém, com um desafio grande na bagagem. Existia um programa aberto e adequado ao que pretendiam fazer, mas tinham pouco mais de quinze dias para apresentar a candidatura. Entre projeto de arquitetura, licenciamentos e outras burocracias, adivinhava-se uma tarefa hercúlea para realizar em tão pouco tempo. Mas, mais uma vez, a Pós-Graduação daria uma ajuda.
Como trabalho final de curso, Catarina tinha realizado um trabalho intitulado “Chão de Rio – Estância Rural”. Com um conceito semelhante, bastou substituir os bungalows idealizados no trabalho pelas casas com telhados de giesta, em homenagem à cultura pastorícia serrana, e o projeto fez-se a tempo de entregar a candidatura dentro do prazo. Catarina reconhece, todavia, que foi necessário alguma sorte e, sobretudo, boa vontade de alguns dos intervenientes. O Município de Seia foi um deles.
Além de ter recebido de braços abertos um empreendimento de dois jovens desconhecidos, o município considerou que as novas construções eram uma ampliação da original, uma condição imperativa para a aprovação da candidatura. “Esta é uma daquelas situações cuja avaliação é subjetiva. Provavelmente, outro município não teria assim considerado, mas houve visão estratégica e o projeto foi aprovado”, explica, sublinhando também o esforço da amiga Alzira que aceitou fazer o projeto de arquitetura em pouco mais de dois dias.
Houve também aquela sorte que protege os audazes. Enquadrado num programa PRODER, o último daquele quadro comunitário, o empreendimento não teria sido aprovado por falta de verbas. Porém, a ADRUSE conseguiu que o dinheiro destinado aos programas de desenvolvimento agrícola, que não tinham recebido candidaturas suficientes para esgotar a dotação prevista, fossem transferidas para a componente de desenvolvimento turístico e o projeto acabou por ser aprovado. “Foi como se nos tivesse saído a lotaria”, diz. Em julho de 2014, após dois anos de construção, o Chão do Rio – Turismo de Aldeia, obtém a licença para abrir ao público.
Família Chão do Rio
Nos quase oito anos de atividade do Chão do Rio, o empreendimento foi-se desenvolvendo e enfrentando desafios cuja superação não teria sido possível sem o apoio da comunidade e de um conjunto de pessoas que Catarina vê hoje como a sua segunda família. “Tenho aprendido tanto com as pessoas de Travancinha”, confessa Catarina. A gestora não esquece o esforço da Sr.ª Emília, quando esta fazia viagens a fio entre o alojamento e a sua casa, para lavar e passar a roupa dos alojamentos, porque o desenho inicial esqueceu-se de contemplar um espaço de lavandaria. “Tenho uma dívida de gratidão enorme para com ela. Sem a Sr.ª Emília, eu teria desistido”, diz. Não esquece também a Sofia (à dr. na foto), que muitas vezes “salvou” a Sr.ª Emília das dificuldades de comunicação com os hóspedes estrangeiros com os seus conhecimentos linguísticos, o Sr. Henrique – o marido da Sr.ª Emília –, que ajuda nas necessidades de manutenção constantes das casas e do terreno, nem a Paula, a Ângela e a Beatriz, que encerram o grupo de anfitriões do aldeamento.
Pela calorosa receção, Catarina sente obrigação de retribuir, e não tem poupado esforços. O Chão do Rio promove vários eventos ao longo do ano. “Recebemos escolas e este ano esperamos voltar a fazer alguma coisa com os utentes dos lares da região”, conta. Mas o principal evento anual acontece em outubro, para que não se esqueçam os incêndios de 2017 que assolaram a propriedade e a região. O “Dia aberto”, como é chamado acontece deste 2018, ano em que o Chão do Rio foi galardoado com o certificado Bisphere Responsible Tourism. O evento pode ter vários formatos, mas o tema central é sempre o mesmo, a floresta. Há também um mercado de produtos locais e muitas atividades para miúdos e graúdos.
Para Catarina, “a experiência turística do Chão do Rio não se esgota nos portões da propriedade. Travancinha é espetacular”, exclama. Embora pequena, Catarina conta que a aldeia tem atraído novos residentes nacionais e estrangeiros, pelo que o ambiente só pode ser bom. “Sinto que há um verdadeiro espírito de comunidade”, diz. Um passeio pela aldeia comprova-o. As pessoas, afáveis, estão sempre prontas a ajudar e demonstram um orgulho enorme na sua terra, para a qual estão sempre disponíveis para trabalhar. Em conjunto e com apoio técnico do biólogo José Conde, do Centro de Interpretação da Serra da Estrela, desenharam a Rota do Tapado. Por iniciativa da Junta de Freguesia, têm um dos baloiços mais visitados da região - o Baloiço Entre Serras -, e com a ajuda do orçamento participativo do Município de Seia criaram o Observatório Astronómico de Travancinha.
Voltando à propriedade do Chão do Rio, o espaço dá azo à imaginação. Além da piscina biológica, onde se vai a banhos na companhia das rãs, há bicicletas gratuitas para passear dentro e fora da propriedade, uma horta, ovelhas e galinhas para experienciar a vida do campo com toda a sua genuinidade. São oito hectares em plena comunhão com a natureza e, como não podia deixar de ser, com a floresta. Além dos bosques de carvalhos, metade da propriedade está adjudicada à “Floresta do Futuro”. Sim, foi uma aventura, mas Catarina e Rodolfo concretizaram o sonho de ter uma floresta. E convidam todos a ir a Travancinha contemplá-la.
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