homem nas termas de monfortinho

Miguel Martins, com as Termas de Monfortinho em plano de fundo.

“TEMOS DE VER A BEIRA BAIXA E A EXTREMADURA COMO UM TERRITÓRIO ÚNICO"

É natural do Barreiro, mas um encontro e uma conversa com o Presidente da Câmara Municipal de Idanha-a-Nova, numa edição da FITUR – Feira Internacional de Turismo de Madrid, fê-lo rumar à vila raiana onde está há sete anos a trabalhar na área do turismo. Esteve na génese do “Passaporte Idanha”, colabora na gestão das Termas de Monfortinho e preside à Associação Ibérica de Turismo do Interior (AITI).

Em entrevista à iNature a partir das Termas de Monfortinho, Miguel Martins, é um crítico da estratégia desenvolvida para o turismo no interior. Apela a um trabalho conjunto entre Portugal e Espanha, a menos intervenção dos municípios, que afirma fazerem um trabalho avulso, e defende que os agentes privados tenham um papel ativo na estratégia de desenvolvimento turístico da região. “São eles que sabem o que há para oferecer”, diz. Uma conversa sobre os desafios do turismo na região raiana da Beira Baixa e sobre como as termas podem reentrar na equação do desenvolvimento turístico do interior do país.

Esteve na génese da Associação Ibérica do Turismo Interior que fez em março dois anos. Costuma-se dizer que “de Espanha, nem bom vento, nem bom casamento”. Dois anos depois qual é o balanço que faz desta abordagem colaborativa com os nossos vizinhos?
Tem sido uma luta enorme. Tem-nos custado muito chegar aos ouvidos de quem decide. Estamos constantemente a tentar passar uma mensagem num diálogo de surdos. Quando nos ouvem a resposta que temos é fiquem em “casa” sossegadinhos.

E qual é a mensagem que pretendem passar?
Que é preciso trabalhar em conjunto. Eu até costumo dizer que o pior que aconteceu aos territórios do interior foi o fim do contrabando. Naqueles tempos havia fronteira, mas a ligação entre os dois países era maior. Havia casamentos entre portugueses e espanhóis, havia negócio, uma ligação cultural próxima e uma interação entre os dois países. E as condições eram muito piores.

Agora, que não há fronteira, os espanhóis vêm cá comer o bacalhau e nós vamos lá comer tapas e beber cañas. Tudo o resto acabou. Bem, de vez em quando, juntam-se a nível político para conseguir algum dinheiro comunitário.

"Dos 198 milhões de pessoas, residentes e visitantes, que em 2022 estiveram na Península Ibérica, nem 1% chegaram à região da Beira Baixa e da Extremadura. Investe-se muito, mas a Beira Baixa faz 200 mil noites por ano, um valor que fazem cidades como Viseu ou Covilhã."

Não há um trabalho conjunto dos dois países?
Tem de existir uma dinâmica diferente. Dos 198 milhões de pessoas, residentes e visitantes, quem em 2022 estiveram na Península ibérica, nem 1% chegaram à região da Beira Baixa e da Extremadura. Investe-se muito, mas a Beira Baixa faz 200 mil noites por ano, um valor que fazem cidades como Viseu ou Covilhã. É por isto que ficamos muito tristes, porque podemos contribuir para que as coisas sejam diferentes a nível político, mas não conseguimos.

Será devido a falta de massa crítica, por ser uma região com menos habitantes e uma economia rarefeita? Ou do outro lado da fronteira é diferente?
Temos de ver a Beira Baixa e a Extremadura como um território único. Idanha-a-Nova faz cerca de 30 mil noites por ano e 70% dizem respeito a turismo cinegético, mas Cáceres recebe anualmente meio milhão de turistas. Com a exceção do Campo de Tiro de Monfortinho, que está sempre cheio, nós não aproveitamos nada.

O presente e o passado. Miguel Martins ao lado do busto do fundador das Termas de Monfortinho, José Gardete Martins.

O presente e o passado. Miguel Martins ao lado do busto do fundador das Termas de Monfortinho, José Gardete Martins.

Quando chega aqui um turista e pergunta o que há para ver, fala-se em Monsanto e Penha Garcia, mas há Cáceres, Cória, onde está parte do manto sagrado de Jesus Cristo, Plasencia, Trujillo, a Serra da Béjar e muito, muito mais. Entre a Beira Baixa e a Extremadura, temos produto turístico para estadias de 15 dias.

Eu quero lá saber se o turista vai para a Guarda ou para Cáceres, desde que passe por aqui e fique umas noites, não me interessa para onde vai. E esta devia ser a visão dos hotéis e dos postos de turismo, mas é rara a pessoa num posto de turismo que conheça além de um raio de 20 quilómetros do local onde está. Assim não se faz um bom serviço.

"Entre a Beira Baixa e a Extremadura, temos produto turístico para estadias de 15 dias."

Os postos de turismo não estão capacitados para promover a região de uma forma mais abrangente, como defende?
Os postos de turismo têm de ter formação. É obrigação de um posto de turismo informar sobre tudo o que está a uma hora de caminho desse posto de turismo, e isto não acontece. Mas os agentes privados da hotelaria, também. Ambos têm de saber o que se passa no vizinho do lado, para construir agendas comuns e não andar a fazer a mesma coisa que o vizinho.

Quando eu digo que o balanço não é positivo, estou a falar em relação a estas e outras situações como estas. Há um grande problema de mentalidade que é preciso mudar, e é muito difícil fazer essa mudança.

Mas houve e há um grande esforço de investimento, tanto na promoção como na formação…
Fazem-se coisas avulsas, algumas sem noção do que se está a fazer e apenas para ganhar visibilidade. Os autarcas apostam muito no turismo porque acabou o dinheiro para a construção. Há dez anos era só obras públicas e rotundas. Agora, o turismo é a única forma que têm para aparecer.

O território precisa de âncoras, de marcas fortes. “Beira Baixa - Terras de Excelência”, o que é isto? Isto diz alguma coisa ao turista? Nada! Investe-se em passadiços e trilhos. Trilhos são centenas, mas quantos temos em condições de serem usados? Houve dinheiro para fazer os trilhos, que nas brochuras continuam muito bonitos e com fotografias fantásticas, mas a maioria tem mato de dois metros de altura. Um turista que agarre na brochura e tente fazer o trilho depara-se com esta realidade, vai-se embora zangado, e não volta. Os municípios estão a fazer um mau serviço ao turismo da região.

"Houve dinheiro para fazer os trilhos, que nas brochuras continuam muito bonitos e com fotografias fantásticas, mas a maioria tem mato de dois metros de altura."

Menciona a falta de formação dos postos de turismo, mas depreendo pela sua conversa que os privados devem ser os atores principais do turismo. Certo?

Claro! São os privados que sabem e que constroem o produto e sabem o que pode ser oferecido ao turismo. O problema é que com a atual estratégia, o poder público criou uma classe de empresários dependentes. Digo isto porque quando há uma feira, o município seleciona, sabe-se lá com que critérios, alguns empresários a estarem presentes, quando o que devia ser feito era criar condições para que os empresários fossem à feira vender o seu produto e o território, e deviam pagar, porque tudo o que é de borla não presta e não incita à venda. É por isto que eu acho que os privados também têm alguma culpa nesta estratégia falhada, mas criou-se uma simbiose que deu origem ao que temos.

miguel martins sentado num banco de jardim

Miguel Martins defende mais formação nos postos de turismo e nos agentes da hotelaria.

Em Espanha é diferente? Podemos aprender alguma coisa com eles?
Não, o que eles fazem a mais do que nós é gastar mais dinheiro. Ao nível do poder público e da estratégia adotada é semelhante.

E podemos ensinar-lhes alguma coisa?  As Aldeias do Xisto e as Aldeias Históricas de Portugal são bons exemplos de marcas territoriais?
As Aldeias do Xisto e as Aldeias Históricas de Portugal são excelentes exemplos de criação de marcas, mas têm de ser trabalhados do ponto de vista da sustentabilidade para não terminarem quando os fundos comunitários acabarem. Por exemplo, a AITI não depende de fundos comunitários, quando um hotel envia alguém para o balneário das termas, este paga 5% da receita gerada ao hotel e 3 euros à Associação. Com estas sinergias, a AITI já movimentou 83 mil euros. É pouco, mas são receitas próprias, que contribuem para a sustentabilidade do projeto. Se as Aldeias Históricas de Portugal e as Aldeias do Xisto não adotarem um modelo sustentável estão condenadas. E é pena.

"As Aldeias do Xisto e as Aldeias Históricas de Portugal são excelentes exemplos de criação de marcas, mas têm de ser trabalhados do ponto de vista da sustentabilidade para não terminarem quando os fundos comunitários acabarem."

Quais são os temas ou os produtos que podiam ser trabalhados em conjunto – Portugal, Espanha – para ganhar escala na região?

O turismo de natureza é um deles, mas não se pode vender apenas caminhadas e esse é o grande desafio. Agora estão-se a trabalhar as estações náuticas, mas desengane-se quem pensa que irão por si só atrair pessoas, terá de haver alojamento, animação turística, património, e muitos mais atrações que complementem e enriqueçam a oferta das estações náuticas. O mesmo se passa com o turismo de natureza, porque as pessoas têm de ter o que fazer depois da caminhada. E o ideal seria articular tudo isto, toda esta oferta entre as duas regiões (Beira Baixa e Extremadura).

ESTRATÉGIAS A MAIS

Secretário de Estado do Turismo, Turismo de Portugal, entidades regionais de turismo, Comunidades Intermunicipais, municípios e mais algumas agências. Todos têm o seu plano de promoção e ação territorial. Estes protagonistas e as suas várias estratégias têm sido bem-sucedidas?
Não. São milhões de euros gastos, é horrível. Tem de se assumir de uma vez por todas que compete ao Turismo de Portugal definir as diretrizes da estratégia para o setor nas diversas regiões, com a auscultação dos agentes privados, porque não faz sentido delinear uma estratégia sem perguntar aos privados o que há para oferecer.  

Depois, competiria às entidades regionais e talvez a algumas agências concretizá-la. As Comunidades Intermunicipais não deviam ter competências no turismo, e os municípios devem fazê-lo de forma integrada na estratégia definida para não andarem a fazer coisas avulso.

"As Comunidades Intermunicipais não deviam ter competências no turismo, e os municípios devem fazê-lo de forma integrada na estratégia definida para não andarem a fazer coisas avulso."

Já falou no investimento em rotas e passadiços, mas agora fala-se muito na digitalização do turismo e das experiências turísticas. É um caminho ou há problemas mais urgentes para resolver?
Faltam infraestruturas que sustentem esses investimentos. Numa viagem de Monfortinho à Covilhã, há cerca de 20 quilómetros em que nem se consegue ligar para o INEM. Quando se faz uma candidatura para um projeto desses, toda a gente fica entusiasmada e como é no interior, um sinal de modernização, é logo aprovada, mas depois não funciona. Mais uma vez, é algo que se faz para ir buscar fundos comunitários, porque depois não tem aplicação prática nenhuma.

Há investimentos mais urgentes?
Sim, em infraestruturas, por exemplo. Algumas já existem, mas estão a anos-luz das existentes nos centros urbanos. Em transportes. Fala-se muito em sustentabilidade ambiental, mas para chegar a estes territórios é necessário ir de automóvel. Não há alternativas.  

E como é que se consegue convencer quem decide a fazer diferente? Estamos reféns das diretrizes dos fundos comunitários?
Sim, mas os políticos deviam ter uma palavra a dizer sobre isso. Por exemplo, é possível recorrer a fundos para recuperar um castelo, mas há a contrapartida obrigatória de não cobrar nada aos visitantes durante uma série de anos. Isto é uma estupidez, porque é necessário criar receitas para manter a infraestrutura e criar riqueza com ela. Assim, não dá.

"As pessoas têm de se mentalizar que se o uso e a visitação não forem cobrados há uma série de infraestruturas que serão impossíveis de manter no futuro. O abandono das rotas é uma consequência disso mesmo e os passadiços serão outro."

homem de pé com casa por trás

Presidente da Associação Ibérica do Turismo do Interior defende uma valiação das políticas e do retorno dos investimentos no turismo.

Já falou na questão de cobrar pela utilização ou visitação, mas há uma grande reticência na adoção dessa prática. Porquê? É uma questão cultural
É cultural, mas é também uma forma de pensar das pessoas que decidem, dos municípios, porque as pessoas não veem com bons olhos uma decisão dessas e, quatro anos depois, a continuação do responsável pela decisão é posta em causa. No fim de contas, é isto, apesar de termos em Portugal inúmeros casos em que a aplicação desse princípio é bem-sucedido. Os Passadiços do Paiva são um exemplo.

As pessoas têm de se mentalizar que se o uso e a visitação não forem cobrados há uma série de infraestruturas que serão impossíveis de manter no futuro. O abandono das rotas é uma consequência disso mesmo e os passadiços serão outro. Daqui a una anos estarão ao abandono.

Todas as infraestruturas de apoio têm de criar riqueza, mas eu não vejo ninguém a preocupar-se com isso. Nem com a avaliação e a quantificação do retorno dos investimentos.

Esse é outro assunto também muito discutido, mas negligenciado pelos criadores das políticas.
É fundamental avaliar as políticas e o retorno dos investimentos. Temos de saber quantos turistas angariámos após uma presença na Bolsa de Turismo de Lisboa, por exemplo. Alguém sabe responder quanto tem custado angariar um visitante das Aldeias Históricas de Portugal ou das Aldeias do Xisto? Ninguém.

Neste caso, da avaliação dos investimentos, não creio que seja uma questão cultural, mas sim de medo da verdade, porque se se avaliar o retorno dos investimentos vai-se concluir que, na maior parte dos casos, o dinheiro está a ser mal gasto. Mas a avaliação deve ser feita também pelos agentes privados, através de inquéritos aos visitantes, para perceber onde faz sentido investir.  

O FUTURO DAS TERMAS

O turismo de bem-estar está em franco crescimento e as termas fazem parte dele, mas nos últimos anos perderam a atratividade que tinham há algumas décadas. Porquê?
Porque enquanto dantes uma pessoa que tivesse um problema de pele ia fazer um tratamento termal, hoje vai à farmácia e compra um medicamento e resolve o problema durante um mês. Neste momento, a indústria farmacêutica é o maior concorrente das termas. Há quem fale também na questão das acessibilidades, mas eu não acredito nisso. Dantes demoravam-se horas a chegar a umas termas, mas elas estavam cheias, e vinham famílias inteiras fazer férias termais como hoje se fazem férias de praia. Há, no entanto, um estigma: entre as gerações mais jovens, as termas são uma coisa para velhos.

E como é que essa perceção se muda, de forma a tornar o produto termas atrativo para as gerações mais novas?
Com uma comunicação diferente. As pessoas acham que as termas são todas iguais, mas não são. Em vez de comunicar as termas temos de comunicar as valências das águas de cada uma.

"As pessoas acham que as termas são todas iguais, mas não são. Em vez de comunicar as termas temos de comunicar as valências das águas de cada uma."

É o que estão a fazer nas Termas de Monfortinho?
Sim. Em vez de comunicarmos as Termas de Monfortinho, passámos a comunicar a valência das águas das termas para a pele, e criámos o “Centro da pele”. Para dar uma ideia, nas redes sociais, o “Centro da pele” tem já mais audiência que as termas em si. Julgo que o segredo para a revitalização das termas está numa nova forma de comunicação complementada por uma oferta agregada que o território tem para oferecer.

Fala-se também muito na questão dos modelos de gestão das termas. É uma questão?
É um setor onde há muita concorrência desleal. Não pode haver termas geridas por municípios que praticam tratamentos por dois ou três euros, um privado não consegue praticar esses preços. E não pode haver um Plano de Recuperação e Resiliência em que as termas de um município podem concorrer e umas termas privadas não podem. O setor está inquinado com determinadas regras que têm de ser alteradas.

iNature | Miguel Martins - Associação Ibérica de Turismo do Interior| maio2024.