Nesta segunda metade da entrevista a Paulo Fernandes, o Presidente da Direção da Destinature fala sobre as três dimensões de desenvolvimento da Destinature para o próximo triénio. Explica porque quer trazer a saúde para o turismo de natureza e como a Destinature já o está a fazer. Sublinha a importância do recurso água na diversificação da oferta turística e revela a ambição de criar um mercado de carbono justo e de proximidade, que contribua para o território. Pelo meio, em alguns apontamentos pessoais, recomenda um filme, diz porque é uma regionalista convicto e como ou onde gostaria de continuar a fazer política pelo Interior do país.
"Vislumbro que, a médio-prazo, possa existir um mercado de carbono iNature".
Na Assembleia Geral (AG) da Destinature defendeu que a abordagem clássica que tem vindo a ser feita na promoção do turismo de natureza é escassa, e que fazer redes de percursos pedestres não é suficiente para a promoção e a criação de valor na região. Porquê?
Porque é quase uma reposição dos modelos excursionistas dos anos 80 e 90 que são muito pobres na criação de valor.
Um aparte. Presumo, então, que não é adepto dos passadiços.
Não sou e nunca serei um dos seus promotores. Aceito que em determinadas zonas, por questões de segurança e mobilidade, os passadiços possam ser uma mais-valia, mas acho um erro enorme olhar para a natureza como olhamos para os parques verdes urbanos. Aí sim, os equipamentos de madeira tratada, os baloiços e outros equipamentos de madeira tratada, formalizam o espaço.
"Aceito que em determinadas zonas, por questões de segurança e mobilidade, os passadiços possam ser uma mais-valia, mas acho um erro enorme olhar para a natureza como olhamos para os parques verdes urbanos".
Sou sensível a que haja troços pensados para responder a pessoas com necessidades especiais, físicas e não só, para que essas pessoas possam ter a perceção sensorial do que é o usufruto da natureza. É nossa obrigação fazê-lo numa ótica de coesão social e igualdade de oportunidades. Mas não concebo a ideia do usufruto do espaço natural como uma reformulação do mesmo e este aparecimento excessivo de passadiços preocupa-me. Sobretudo, os de grande extensão cuja existência nada tem a ver com o que acabei de falar. Em alguns casos está-se a fazer parques urbanos no meio da natureza, e isso não.
Voltando à escassez da abordagem clássica ao turismo de natureza como fonte de criação e valor.
Veja, os percursos são por natureza de baixa densidade. Não podemos nem é desejável ter mil pessoas ao mesmo tempo a fazer um percurso. Numa viagem que fiz à Noruega, no âmbito de um projeto europeu, um responsável de uma cidade Património da Humanidade, perguntou se os nossos percursos tinham muita gente e eu disse-lhe que tinham cada vez mais gente, e ele respondeu: “Que pena. E vocês permitem isso? Aqui, quando vamos para um percurso na natureza é para estar na natureza e não com pessoas. Até dizemos que um percurso que tem muita gente, não é um bom percurso para fazer”. Nós, por cá, ainda temos espaço para ter mais gente nos percursos, mas temos de ter algum cuidado.
Para criar mais valor, é preciso mais do que percursos. Temos de ter mais pontos de interesse, e proporcionar experiências à volta das Áreas Classificadas e Protegidas (ACP) e dos seus produtos “verdes”. Temos de abordar o turismo de natureza de uma forma mais holística.
É aí que entra a saúde, uma das três dimensões que apontou como fundamentais na estratégia da Destinature para os próximos anos?
Sim. Hoje, a saúde e o bem-estar têm nas ACP um dos fatores mais importantes na construção de programas e terapias. O turismo de natureza é hoje visto de uma forma holística.
A saúde física, mental, a questão preventiva, as doenças cardiovasculares, pulmonares, alergias, etc. Está identificado e percebe-se que grande parte das doenças crónicas e futuras estão muito relacionadas com estas quatro áreas de risco. Então, neste sentido, temos de olhar para as ACP e para o que elas oferecem, como a biodiversidade, os produtos de qualidade, o ar e água, o facto de serem locais onde é possível trabalhar em diferentes altitudes, área onde já temos investimento feito através dos coworks, e criar uma oferta diversificada que responda a esta nova abordagem holística.
O desafio está na organização a oferta
Diversificar ou criar uma oferta orientada para a saúde?
Para a saúde e não só. Das atividades que se podem fazer a partir das áreas protegidas, além dos percursos que as atravessam, diversificar, criando experiências ativas, criativas, de responsabilidade social, que tragam pessoas para participar na conservação da natureza. Se há quem paga muito bem para fazer trabalhos agrícolas como experiência, seja nas vinhas do Douro, seja nos cerejais da Gardunha, também haverá pessoas que pagariam para participar em atividades de reequilíbrio dos ecossistemas, seja numa simples reflorestação ou em questões relacionadas com a proteção dos valores mais endémicos do território.
"Estou convencido que as Áreas Classificadas e Protegidas poderão ser um dos destinos de saúde mais importantes do turismo no nosso país".
Temos de converter os Centros de Interpretação em “centros oficinais”, trazendo para dentro deles os saberes e fazeres ancestrais, e promover os usos múltiplos da floresta, como a micologia, a apicultura, a captação de carbono, etc. Temos de trazer estes rendimentos para a equação da valorização dos territórios e a relação da natureza com a saúde é mais um, e com um enorme crescimento. Estou convencido que as ACP poderão ser um dos destinos de saúde mais importantes do turismo no nosso país.
Mas a saúde é um setor muito mercantilizado, embora existam já bons exemplos em países como o Japão, a Alemanha, Áustria e Reino Unido, entre outros, onde a natureza já é usada como “medicamento”, acha possível que as unidades de saúde assumam a natureza como solução médica para determinadas patologias?
A sua questão é parte da resposta. Se há países, até mais desenvolvidos que o nosso, onde isso já acontece, significa que o reconhecimento está feito. A comunidade científica na área da saúde não é uma ilha ou ilhas. Essa apetência já cá está e a vontade também.
O grande problema das ACP em Portugal é a organização do recurso. Se não existir alguém que explique o que já existe noutros países, que oriente o recurso nessa direção, ajude a definir os locais onde podem existir essas estruturas físicas de saúde ligadas à natureza, ou seja, se não se organizar a oferta, como é que pode haver procura?
Nós somos um país periférico, as coisas demoram mais tempo a chegar cá. O facto de haver oito ou nove países onde esta questão está avançada significa que vai chegar. O grande desafio é a organização da oferta e, nós, agora com os grupos de cogestão e codecisão, e com uma rede mais institucionalizada de oferta nas áreas protegidas, podemos internacionalizar esse recurso e transformá-lo em ofertas de saúde perfeitamente integradas.
"Há muito turismo de pequena cirurgia e muito mais que vêm para Portugal fazer convalescenças longas do foro respiratório e cardiovascular. Porque não pensarmos em ter oferta nesse segmento? Isto é turismo de saúde".
Veja-se, por exemplo, e mais uma vez na ótica do regresso ao passado, a rede de sanatórios que outrora existiu e que agora estão na sua maioria abandonados. Porque não recuperá-los, não numa vertente de hotelaria clássica, mas em estruturas de turismo de saúde que possam criar ainda mais valor. Não seria mais do que reencaminhar para atividades de saúde estruturas que já existem nas ACP. Se isto for feito de forma organizada será certamente visto como uma oportunidade de investimento por alguns agentes nacionais e até internacionais.
Muita gente não o sabe, mas o turismo de saúde no Algarve já é uma das áreas de maior criação de receita. Há muito turismo de pequena cirurgia e muito mais que vêm para Portugal fazer convalescenças longas do foro respiratório e cardiovascular. Porque não pensarmos em ter oferta nesse segmento? Isto é turismo de saúde.
Então, o trabalho que a Destinature já começou a fazer com a organização das I Jornadas de Natureza, Saúde e Bem-estar, em 2021, e do IV Congresso Internacional Florestas e Potencial para a Saúde, no ano passado, na vila de Luso, vai continuar a desenvolver-se?
Nós fizemos esse trabalho para fazer benchmarking, para perceber o que melhor se fazia na Europa nessa matéria e apercebemo-nos que já existe na Europa bastante oferta estruturada de turismo de saúde dentro de áreas protegidas, como acontece na Alemanha, que tivemos a oportunidade de visitar, e onde até já se prescreve natureza em medicina convencional. Na Escócia, por exemplo, existem percursos certificados perante o que são as suas vantagens para determinadas patologias.
No Japão, as florestas estão identificadas de acordo com a patologia a que se adequam.
Eu valorizo muito as medicinas mais orientais até pelas perspetivas holísticas que trazem com elas, e algumas delas estão a migrar para a medicina ocidental, estamos a sentir isso. Mas, para que as pessoas fiquem esclarecidas, nós não estamos a falar da questão do bem-estar, numa perspetiva espiritual, com as vantagens que daí advém, não desvalorizo de maneira nenhuma essa área ou a relação que também já existe entre as áreas protegidas e as águas termais, que é também muito importante para nós. O que me refiro é que em muitos países, a natureza já está na medicina convencional, devido aos benefícios associados a essa ligação. Logo, a resposta é sim, vamos continuar esse caminho porque nós podemos e queremos ser os grandes instigadores e aceleradores de que o turismo de saúde na natureza possa vir para ficar nas Áreas Classificadas do Centro do país.
"Mesmo havendo um consórcio nas áreas das termas, não vejo problema nenhum que se criem relações entre os dois consórcios. É possível e é desejável que haja sinergias".
Já abordou a valorização dos recursos nas áreas protegidas. Na AG evidenciou a água como um pilar da estratégia de futuro da Destinature. Há um PROVERE Termas Centro. Não se estará aqui, também como em relação ao ICNF, a “meter a foice em seara alheia”?
Não, nós estamos é a ser parte da solução, porque acho que hoje todas as estruturas modernas das termas têm um desafio: para se manterem competitivas, têm de diversificar os serviços e a Destinature pode ser um caminho muito importante na diversificação dos serviços que as termas prestam. Se as termas já prestam alguns serviços na saúde, na parte do bem-estar, nós estamos a dizer que podemos ajudar a diversificar e organizar a oferta para atrair competências e investimento mais intensivo que tire partido e crie oferta de turismo de natureza em Portugal. Nós estamos empenhados nas áreas protegidas, nas termas e na valorização de tudo o que são os recursos hídricos no geral. Mesmo havendo um consórcio nas áreas das termas, não vejo problema nenhum que se criem relações entre os dois consórcios. É possível e é desejável que haja sinergias.
Uma economia verde ao serviço do território
Já falou sobre floresta e gestão de floresta. O terceiro pilar e dimensão que abordou na AG foi que a Destinature quer desempenhar um papel relevante nos serviços de ecossistemas. De que forma é que o pretende fazer?
Primeiro, contribuindo para a organização da oferta. Nós temos um problema na floresta que é a pulverização dos agentes, da propriedade. Neste momento está-se a fazer um esforço muito grande para criar o cadastro simplificado, mas depois levanta-se uma questão: com essas estruturas que estão a fazer esse trabalho, como é que conseguimos agregar zonas com escala suficiente para tornar o serviço de ecossistemas mais plausível e sustentável? Porque não pensar entrar no mercado de carbono, como compensação, e colocar uma oferta de créditos de carbono no mercado?
Pretende criar um mercado de carbono?
Se temos modelos de cogestão, se temos hoje o caminho das AIGP a fazer-se e novas políticas públicas a ser desenvolvidos, muitas delas dentro de ACP, podemos olhar para elas, juntar 20% de uma 15% de outras, etc, agregar esse valor sob a égide do que seria o mercado de carbono iNature, e colocá-lo no mercado para atrair investidores. Isto é mais ou menos criar um consórcio. Já não é a primeira vez que o fazemos, recorde-se as Aldeias de Montanha, que foi criado em Seia, incubado na iNature, e depois ganhou autonomia. Eu vislumbro que, a médio-prazo, possa existir um mercado de carbono iNature.
Mas é preciso ganhar escala.
Exato. Em zonas de baixa densidade é difícil ganhar escala, massa crítica, e neste mercado é fundamental ter dimensão. É preciso juntar as peças todas, juntar os terrenos, proprietários, parceiros e pessoas, todos. E nós temos essa capacidade. Se o fizermos e depois nos conseguirmos posicionar como marca e ter escala, ganhamos poder negocial e conseguimos valorizar o ecossistema. Agora, se cada um - proprietário, terreno ou parceiro – negociar sozinho os seus 5, 10, ou 200 hectares, o valor compensatório será muito mais baixo e as retribuições que conseguirão para o território serão menores. Agora, imagine-se que, em conjunto, o mercado de carbono dá um rendimento de 100 euros por hectare/ano, este valor vezes milhares de hectares é muito significativo para investir no território.
"Nós, que estamos sempre a falar em mercado de proximidade e em economia circular, vamos permitir ou facilitar a compensação de carbono off-shore?"
Tem sido noticiado que empresas europeias estão a investir em terrenos na Amazónia para compensar a sua pegada carbónica.
Nós não queremos isso e é aí que podemos fazer a diferença ao criar um mercado de carbono justo e de proximidade. Imagine que as empresas nacionais cotadas iam todas compensar as suas emissões no mercado brasileiro ou indonésio. Isso seria um desperdício vil de economia. E, além do dinheiro ser investido lá, levantam-se também questões de transparência e monitorização, e não só.
Nós, que estamos sempre a falar em mercado de proximidade e em economia circular, vamos permitir ou facilitar a compensação de carbono off-shore? Vamos permitir que essas compensações se façam fora do país quando temos problemas de rendimento na floresta e nas ACP que podem ser resolvidos ou atenuados com esse mercado? Se o permitirmos vamos cair no ridículo de termos empresas altamente poluentes num determinado território que vão comprar créditos de carbono à Indonésia, e nas imediações dessas empresas vamos ter os espaços florestais ardidos e não cuidados, porque o dinheiro que “foi” para a Indonésia não foi investido ali. Se se fizer assim, o serviço de ecossistema não tem impacto nenhum no local onde a empresa está a poluir.
Daí defendermos um mercado de carbono justo e de proximidade. Uma economia verde pode ajudar os territórios de baixa densidade do país e, se nós não o fizermos, se não nos organizarmos rapidamente, aproveitando plataformas com a Destinature para organizar a oferta, alguém o irá fazer e perdemos a oportunidade.
E nós, a Destinature e os pequenos agentes do turismo de natureza, também temos a obrigação de compensar a nossa pegada, não?
Nós também temos de fazer uma parte dentro das estruturas de animação e de fruição que temos no iNature. Temos de fomentar a neutralidade carbónica também daquilo que fazemos. E os nossos agentes, municípios e empresas, entre outros, têm de olhar para os serviços de ecossistemas nas ACP como uma forma de compensar a sua pegada. Há dois mercados, um mais local e de menor peso, e um mercado maior de âmbito nacional e internacional que também nos interessa captar.
Em breve, vai-se começar a falar disto entre as empresas, porque quem não neutralizar a sua pegada vai ser – já está a ser - severamente penalizado em termos fiscais, e as empresas irão procurar formas de neutralizar a sua pegada para não serem prejudicadas. Nós, Destinature, temos de encontrar uma forma de responder a essa necessidade e encontrar formas dessa neutralização ter impactos ainda maiores nos locais onde as empresas operam. É este o caminho que temos de seguir.
Textos e fotos @iNature.