Nas Grutas da Moeda, em São Mamede, Fátima, mergulha-se nas entranhas da Terra, proporcionam-se experiências do imaginário e faz-se ciência. Nas últimas duas décadas, o empresário Carlos Silva e Danilo Guimarães (nas fotos) transformaram um espaço de simples contemplação num lugar de conhecimento. Para o responsável, o esforço realizado pelos agentes públicos e privados ligados ao setor originou um salto qualitativo da oferta turística na região, mas a pandemia veio pôr muitos deles em “xeque”. “Agora, é preciso ter uma visão integrada do território e encontrar uma estratégia comum para os vários produtos turísticos que a região tem para oferecer”, defende.
Nas últimas duas décadas pouco mudou no interior das Grutas da Moeda. O tempo da química e da mecânica que vão esculpindo o calcário é vagaroso. Mas, à superfície, nasceu um conjunto de infraestruturas que transformaram o espaço num parque temático dedicado ao conhecimento. Na base desta evolução está a vontade de Carlos Silva, um empresário de Leiria, proprietário dos terrenos e da empresa que gere as grutas, e de um operacional criativo que em conjunto com o empreendedor foi concretizando a reinvenção das grutas nos últimos 20 anos: Danilo Guimarães. “O meu trabalho é montar uma boa operação de recebimento e de despedida. A partir do momento em que as pessoas se sentem bem-recebidas, têm informação científica e cultural, nem demais, nem de menos, para não aborrecer, e têm um sítio lindo para visitar, o que é que pode correr mal?”, questiona Danilo. A resposta? Uma pandemia.
Devido ao contexto pandémico, as Grutas da Moeda estiveram encerradas cinco meses e a gestão foi obrigada a dispensar cinco dos quase trinta funcionários que tinham em 2019. “Não me venham dizer que foi um ano bom para o turismo interno. Foi um ano muito difícil”, diz. Salvo raras exceções, a quebra do rendimento dos alojamentos e empresas de animação turística sofreu uma hecatombe bem expressa nos números do setor a nível nacional. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, o peso do volume das receitas do turismo que em 2019 ascendeu a 15,3% decresceu para 8% no ano seguinte e, apesar da recuperação esperada para este ano, o número de turistas recebidos nos alojamentos ficará ainda longe dos quase 27 milhões registados em 2019.
“Até ao ano passado, o turismo foi um setor sempre em crescimento. Os empresários quase nem tinham que fazer planeamento, porque o ano seguinte era sempre melhor”, conta. Todavia, aos olhos de Danilo, por volta dos anos 2016/17, deu-se uma mudança significativa no turismo da região. “Vimos hotéis a reformar a sua estrutura, a fazer obras de melhoramento, a apostar na formação e a perceber a importância dos locais de visita da região como parte da sua oferta. Começou a criar-se uma estratégia que estava a dar frutos”, diz.
"Investimento em infraestruturas e recursos humanos qualificados transformou as Grutas da Moeda num parque temático e num centro de conhecimento de áreas como a geologia e a biologia".
Estratégia bem esculpida
Nas Grutas da Moeda, o planeamento resultou numa espécie de evolução natural de um produto que tinha que oferecer algo mais do que apenas contemplação. Neste sentido, em 2009 foi criado o Centro de Interpretação Científico-Ambiental (CICA) do Maciço Estremenho (inaugurado em 2009), que permite entender o fenómeno da formação das grutas na região, como estas interagem com a biodiversidade local e como o calcário influenciou a vida dos locais. E foi também construído um espaço de exposição, onde se podem observar minerais e fósseis que se encontraram em Portugal e no mundo e, nos hectares de bosque da propriedade, onde existem campos de lapiás e crescem várias espécies de plantas e árvores autóctones, surgiram campos de estudo da biodiversidade local.
Simultaneamente, houve uma forte aposta em recursos humanos qualificados. Os quadros da empresa gestora das Grutas da Moeda passaram a contar com Geólogos, Biólogos, Licenciados em Turismo e até com profissionais em Artes Performativas. “Esta aposta permitiu-nos crescer muito em termos de recursos, projetos e serviços educativos. Alguns dos nossos colaboradores até publicaram estudos científicos com base no trabalho aqui realizado”, diz Danilo, com orgulho, adiantando que em breve será possível visitar virtualmente a gruta no website das Grutas da Moeda, uma ferramenta que, no seu entendimento, será uma forma de atrair novos visitantes.
Ao investimento em infraestruturas e em recursos humanos qualificados, Danilo desenvolveu parcerias e estruturou produtos, com vista a captar públicos específicos. O escolar foi um deles. “Antes as escolas vinham visitar as grutas. Hoje, vêm às grutas de manhã, almoçam em instalações nossas criadas para as receber, e à tarde vão ao CIBA – Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota ou ao Carsoscópio – Centro de Ciência Viva do Alviela, o que lhes permite juntar disciplinas como a geologia, a biologia e a história numa só visita de estudo”, explica. Mas não só.
Na opinião do responsável, nenhum agente do turismo da região pode ser indiferente aos 7 milhões de turistas que visitam anualmente Fátima (em média), o que o levou a investir num autocarro que circula várias vezes por dia entre a cidade e as Grutas da Moeda, transportando gratuitamente quem quiser visitar o monumento geológico. “Números de visitantes como nós e as Grutas de Mira de Aire fazem, só são possíveis porque há um destino turístico muito forte aqui ao lado [Fátima]. Sem este íman, dos 100 mil visitantes que recebemos em média por ano, teríamos entre 10 mil e 20 mil”, exclama, sublinhando a dificuldade em atrair pessoas para o turismo geológico. “Para crescer, eu [as Grutas da Moeda] e todos os outros agentes do turismo, temos que pensar a nível regional”, defende.
“Todos nós [agentes e entidades públicas] que trabalhamos nesta área temos que nos conhecer melhor, conhecer os nossos pontos fracos e fortes para depois poder trabalhá-los em conjunto”.
Mais concertação, mais e melhor comunicação
Danilo não esconde o impacto negativo da pandemia na operação das Grutas da Moeda, mas sabe que não é suficiente para desabar o negócio. Toda a estratégia de desenvolvimento da empresa foi financiada “com o pelo do cão” – jargão usado na gestão que significa recursos gerados -, mas tal não acontece na maioria das empresas, e é isso que o assusta. “Imagino um gestor que tenha investido com recurso a dívida antes da pandemia? O que será dessas empresas?”, questiona. Para o gestor, o aumento do turismo interno verificado no período da pandemia “foi apenas um empréstimo”. “Quando tudo voltar ao normal, os turistas irão viajar para fora e fazer as férias que faziam antes. Apesar de não ser este o meu desejo, os meus 20 anos de experiência no setor não me permitem ter ilusões nessa matéria”, afirma.
Para mitigar a ressaca da pandemia no setor do turismo na região, Danilo defende um esfoço concertado ao nível dos empresários e das autoridades locais, como os municípios, o Turismo do Centro, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. “Eu percebo que os municípios queiram ter a sua própria estratégia, mas se eu [turista] procurar ‘natureza’ num posto de turismo de um determinado município, não me podem fornecer apenas a oferta existente nesse município. Têm que me dar a informação sobre a oferta que há no conjunto dos municípios que fazem parte dessa região”, diz, sublinhando que a criação de uma marca do Maciço Estremenho, pode ser uma solução para promover de forma agregada todo o património geológico da região.
Entre outras propostas, Danilo avança ainda com a ideia de criar uma associação regional de empresários do turismo. “Todos nós [agentes e entidades públicas] que trabalhamos nesta área temos que nos conhecer melhor, conhecer os nossos pontos fracos e fortes para depois poder trabalhá-los em conjunto”, defende, apontando o “caso dos dinossauros” que elenca como um mau exemplo de promoção que só a Lourinhã tem sabido aproveitar. “Os dinossauros e o período Jurássico são um tema tão fácil de vender devido à fantasia que englobam. Como é que é tão mal explorado?”, pergunta.
No centro do país, é difícil encontrar uma região com tanto para oferecer. “Nós, aqui, costumamos dizer que temos um triângulo dourado – Batalha, Tomar e Alcobaça -, onde seja qual for o roteiro tem a chancela da UNESCO. Temos Óbidos, que é uma marca registada, a onda gigante da Nazaré, o surf de Peniche, e o espírito de Fátima, que está numa serra que tem fósseis, praias do período Jurássico, pegadas de dinossauro e grutas. É difícil encontrar uma região com tanto terroir turístico!”, exclama. “Só temos que criar uma narrativa que nos una e que promova no imaginário das pessoas o desejo de cá vir”, remata Danilo, em jeito de desafio.
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