José Tomaz e Patrícia Castello Branco, Quinta da PortaQuinta da Porta - Uma viagem pela história e pela natureza da Beira Baixa

Há casas com história e casas que são história. O Solar Pinto de Castello Branco é um destes casos e José Tomaz e Patrícia Castello Branco são os autores do último capítulo dos mais de 600 anos de história da Quinta da Porta.

Para contar a história da Quinta da Porta é necessário recuar até ao século XIV. É desta altura, logo após a Batalha de Aljubarrota, que José Tomaz Castello Branco  (José) estima que seja a origem da casa da família, também conhecida como Solar Pinto Castello Branco ou Solar de Vale de Prazeres. Localizado na rua Aurélio Pinto – bisavô de José -, na aldeia de Vale de Prazeres, concelho do Fundão, o solar é o mais recente alojamento da região e o último passo da caminhada que José e a esposa Patrícia Castello Branco (Patrícia) (foto 1) iniciaram há alguns anos, quando decidiram “casar com a quinta” e recuperar o património da família.

José Tomaz e Patrícia Castello Branco, no pomar da Quinta da Porta

“Isto começou tudo com a cereja”, conta o professor de Ciência Política na Universidade Católica. Com a vida dividida entre Lisboa e Vale Prazeres, era frequente pedirem-lhe cerejas no tempo delas. O docente conta que uma das clientes frequentes era a secretária de redação do jornal Expresso. Tantas vezes lá foi fazer entregas que um dia, a curiosidade dos jornalistas deu origem a um artigo na revista Exame. Chamaram-lhe “O Professor agricultor no Fundão”. Esta procura pelos produtos da região da Beira Baixa levou-os a criar a loja online Quinta da Porta, onde além da fruta rainha da Gardunha, estão disponíveis queijos, vinhos, azeite e outros produtos endógenos da região. À exceção da fruta, todos os produtos são oriundos de produtores da região com os quais José e Patrícia estabeleceram parcerias. Alguns têm a marca Quinta da Porta, outros são comercializados com a marca do produtor original, mas têm todos o mesmo princípio, “só temos na loja produtos que nós gostamos”, justifica o professor universitário.

Cerejas, o pêssego da Compal e a Andrena lusitania

A Quinta da Porta responde por um conjunto de propriedades com cerca de 100 hectares nas imediações de Vale de Prazeres. Cerca de quarenta, situados a escassos quilómetros do solar, estão afetos à fruticultura, nomeadamente, à produção de cereja, nectarina e pêssego. Não foi uma recuperação fácil. “Nos anos 1970/1980, a quinta entrou numa decadência rápida”, conta José, adiantando que os pomares estavam bastante degradados quando ele e a esposa decidiram meter mãos-à-obra.

Passadas algumas décadas, saem dali anualmente várias toneladas de fruta. Algumas, de pêssego, são vendidas à Compal para a produção dos néctares da marca nacional. Já a cereja é escoada através de vários canais de distribuição. Um deles, é a venda direta ao consumidor através de uma experiência agroturística. “As pessoas chegam, nós dizemos onde podem apanhar as cerejas e elas vão apanhar. Há sempre alguém a acompanhar, para ensinar a colher o fruto sem estragar a árvore. À saída, pesa-se a fruta apanhada, as pessoas pagam e levam para casa”, explica Patrícia. A esta forma de experiência turística junta-se a simples contemplação do extenso jardim rosa e branco que ali surge nas épocas de floração, entre março e abril.

Andrena lusitania, abelha.Apesar da produção intensiva, a componente ambiental é muito importante para os proprietários. Toda a produção está em regime de proteção integrada - alguma em processo de conversão para modo de produção biológico -, e houve o cuidado de criar zonas seminaturais no meio dos pomares para promover o equilíbrio e a biodiversidade do ecossistema. Foi numa destas zonas que um grupo de investigadores ligados à Universidade de Coimbra e ao projeto Cultivar fizeram uma descoberta surpreendente ao encontrar uma nova espécie de abelha à qual chamaram Andrena lusitania (foto 3) (saber mais). “Às vezes pensamos neste tipo de pomares como habitats menos bons, mas não é assim. Encontra-se aqui muita diversidade e abundância de polinizadores, mesmo quando as cerejeiras não estão em floração”, explica Catarina Siopa, doutoranda e membro da equipa de investigação.

O objetivo do trabalho realizado em vários locais da Beira Baixa, em redor da Serra da Gardunha, foi avaliar a importância dos vários tipos de usos e solos para os polinizadores e os resultados foram surpreendentes. “Conseguimos mais do que duplicar o número de polinizadores documentados até agora nesta região”, conta Hugo Gaspar, entomólogo do projeto. De acordo com os investigadores, o segredo desta biodiversidade está nas orlas do terreno e nas ilhas naturais existentes um pouco por todo o pomar, que constituem refúgios para os insetos e que, na opinião, dos investigadores, deviam ser uma prática corrente neste tipo de exploração agrícola. “Esta descoberta demonstra que é possível produzir e respeitar o meio-ambiente, preservando e promovendo a sua biodiversidade”, defende, José.

Solar Quinta da Porta, Vale de Prazeres, Fundão.

Uma casa cheia de segredos e estórias

De volta à propriedade do solar, José e Patrícia mostram a última fase do projeto de recuperação da Quinta da Porta, a abertura do solar como alojamento rural de cariz histórico. Foi uma decisão que, além ir ao encontro da estratégia de recuperação do património edificado, advém de alguma racionalidade, começam por explicar. “É muito difícil manter uma propriedade destas e nós vimos no turismo um caminho para a sua manutenção e sustentabilidade”, defende Patrícia, enquanto nos guia pelas antigas “lojas” – espaços onde pernoitavam os animais –, agora transformados em quartos e espaços comuns. Foram reconvertidas pela arquiteta Teresa Nunes da Ponte, autora de vários projetos de recuperação no Solar Casa de Mateus, que lhes conferiu uma espécie de nobreza moderna, cheia de requinte e qualidade, sem beliscar a ligação umbilical dos espaços com o seu passado e a paisagem que os rodeia. No total, são cinco quartos – Monsanto, Malcata, Açor, Gardunha e Estrela –, dois deles com ligação interior (ideal para famílias).

interiores da Quinta da PortaUm sexto, e o mais curioso, estará disponível a partir de outubro. Chama-se “Quarto do esconderijo”, porque foi ali descoberto um esconderijo durante as obras de reabilitação. “Nestas casas, estamos sempre a descobrir coisas”, diz José. O espaço, que certamente contaria muitas histórias, é agora a casa de banho do quarto de uma divisão que o professor estima ter sido a génese da casa original que foi crescendo até se tornar no edifício atual.

No exterior, os outrora galinheiros, a vacaria e a casa dos caseiros foram demolidos para darem lugar a espaços mais valorizados no contexto atual. Ficou apenas o “coberto”, uma eira coberta cuja estrutura em madeira foi recuperada com recurso a antigas técnicas e materiais, e que agora serve para albergar eventos.

Subimos pelos socalcos da propriedade e os jardins, ao estilo das quintas de recreio dos séculos XVIII e XIX, vão-se revelando. É um mundo de avencas, roseiras, árvores monumentais, muros e uma casa de buxo, alimentado por vários reservatórios que levam a água por levadas a quase todos os cantos do espaço. Mas é no topo da propriedade que se encontra a maior revelação e o centro nevrálgico da Quinta da Porta, a capela ou portal templário do século XIII que dá o nome à quinta.

Portal Templário, na no Solar da Quinta da Porta, Vale de Prazeres, Fundão“Este seria o último portal a nascente na Serra da Gardunha”, explica Patrícia. Reza a história que entre os séculos XVI e XVIII, a propriedade tenha sido apelidada de Quinta do Portal. No interior, uma pedra romana e várias inscrições, já desgastadas pelo tempo, levam a imaginação para um passado longínquo, enquanto o espaço exterior, onde predomina a água e o verde da vegetação, convida à serenidade e contemplação.

Seja para descansar, conhecer a história ou ir apanhar umas cerejas, fica o convite. O nome sugere e a anfitriã confirma, “estamos sempre de portas abertas”.

@iNature.