Junto à fronteira, entre Almeida e Sabugal, a aldeia de Vilar Maior é um recato de ruralidade, história e natureza em estado selvagem. Bárbara Cardoso, sempre acreditou no potencial da aldeia. Ainda estudante já pensava em recuperar e reconverter algumas casas da família em alojamento rural. O sonho começou a ganhar forma em 2006 e três anos mais tarde, nasceu o primeiro alojamento rural na pitoresca aldeia raiana. Hoje, a Casa Villar Mayor é uma referência na aldeia e a sua mentora, um dínamo do desenvolvimento local necessário à tão desejada coesão territorial.
A maioria das pequenas aldeias do interior do país tem um destino comum: a migração ou a emigração. Vilar Maior faz parte da regra, mas Bárbara é uma exceção. Saiu cedo da aldeia, mas nunca a deixou. Engenheira química de formação, reside em Tabuaço, onde faz consultoria na área, mas não há semana que passe sem que visite a aldeia que a viu nascer. “Sempre estive muito ligada a Vilar Maior. Sou muito ligada às minhas raízes”, diz.
Além de ter os pais a viver em Vilar Maior, Bárbara sempre se envolveu nos projetos da aldeia. Um desses projetos é a Muralhas de Vilar Maior, uma associação que tem um papel fundamental na dinamização da vida social e cultural da aldeia. “Criamos várias atividades ao longo do ano”, conta a vice-presidente da associação. Entre elas está a “Encenação da Paixão de Cristo”, realizada na Páscoa, a “Semana dos Bons Saberes e Bons Sabores”, em agosto, que termina com um banquete real no castelo, e este ano, pela primeira vez, irão organizar uma prova de trail. Chama-se Vila Wild Trail, a terceira das quatro provas de trail que compõem o Circuito 5 Quinas – Sabugal, uma competição organizada por várias entidades da região. É já no próximo dia 7 de outubro.
Vilar Maior não é uma localidade de passagem. Quem ali vai é porque quer. Assim acontece com os hóspedes da Casa Villar Mayor. “As pessoas procuram a ruralidade e estas aldeias mais tradicionais. São também pessoas ligadas à natureza”, explica Bárbara. Entre os turistas que chegam há portugueses e estrangeiros mas, curiosamente, os espanhóis não estão entre os maiores clientes.
A procura tem vindo a aumentar e é hoje bem maior do que em 2009, quando o alojamento foi inaugurado. “Registou-se uma evolução enorme”, diz Bárbara. O pico aconteceu na época da pandemia, devido à procura do turismo menos massificado, agora corrigiu um pouco, mas mantém-se acima do período pré-pandemia. “Acho que a pandemia mudou a atitude das pessoas e isso nota-se”, justifica. Mas, a somar ao efeito conjuntural têm surgido algumas apostas com efeitos notórios no número de turistas que visitam Vilar Maior e esta região do Grande Vale do Côa.
O projeto Rewilding Portugal - Grande Vale do Côa é um deles. O “Vale Carapito”, a primeira reserva desta organização de conservação da natureza através de métodos de regeneração natural é ali nos limites da aldeia e atrai muita gente, e a criação da Rede Côa Selvagem foi também muito positiva para toda a região. “Permitiu que os empresários pudessem apresentar projetos com maior coesão e coerência e um trabalho em rede que está a produzir resultados”, explica. A este projeto junta-se também o trabalho do município do Sabugal através de projetos como o Naturcôa - Imagem, natureza e património e a adesão à Carta Europeia de Turismo Sustentável. “Nos últimos anos, o município tem trabalhado muito bem as questões do turismo sustentável, é um trabalho que vai demorar a dar frutos, mas está a ser bem feito”, defende.
Vilar Maior é uma aldeia carregada de história. As gravuras encontradas num afloramento rochoso junto ao museu datadas da idade do Bronze e as ruínas da igreja medieval de Santa Maria do Castelo atestam a importância da povoação até aos tempos da portugalidade. A aldeia está ligada à nacionalidade e à formação do território de Portugal. Foi espanhola até 1297, quando D. Dinis assinou o tratado de Alcanizes, e tornou-se uma importante localidade raiana, tendo sido sede de concelho até 1855. O castelo, as cinco igrejas, o edifício dos paços do concelho, que albergava também o tribunal e a prisão, hoje convertido em museu, o pelourinho e os solares no Largo das Portas, são prova da importância da aldeia que no tempo do Rei Lavrador somava mais de mil fogos.
Bárbara conhece bem o valor deste e de outros patrimónios de Vilar Maior. Convida-nos para um passeio. Aceitamos. Leva-nos ao “Gatas Bar”, o único café da aldeia e, por isso, o epicentro do quotidiano social local. A esplanada está preenchida. As pessoas vão chegando e partindo num rodopio trabalhador. Uma delas é Maria Cândida, a mãe de Bárbara, e a anfitriã dos hóspedes da Casa Villar Mayor, mas hoje tem outras funções. Vendeu os vitelos e esteve a carregá-los com a ajuda de alguns homens para os quais vem buscar bebidas.
Os campos em redor da aldeia, outrora cultivados de cereais, são hoje pasto de gado bovino, a atividade principal dos residentes na região. No “Gatas Bar”, o barman do dia é Rúben. Natural da Malhada, uma aldeia vizinha, veio dar uma mão aos pais que arrendaram o café há algum tempo. Estudou música na Covilhã e em Coimbra e é o maestro da banda da Malhada. Longe vão os tempos em que a aldeia se enchia de juventude. Agora, só no verão e nas épocas festivas. Refrescamo-nos e seguimos.
Passamos pelo Largo das Portas, onde se situam os solares das famílias Quevedo Pessanha e a Casa Grande de Vilar Maior, também conhecida como "Casa Rebocho", e subimos em direção ao castelo. Pelo caminho vamos encontrando residentes. Bárbara conhece-os a todos, aliás, conhece a história de todas as casas. Chegamos ao “cimo da vila”, uma zona próxima do castelo onde abunda casario para recuperar. “Isto, recuperado com regras, dá para fazer algo com qualidade”, diz. “Ao contrário de Sortelha, por exemplo, onde o património edificado e histórico está concentrado, aqui em Vilar Maior está espalhado e há alguns locais onde é possível fazer recuperações de qualidade, mantendo a arquitetura tradicional”, defende.
Pelo caminho, encontramos as ruínas da igreja medieval, pelos cenários da “Encenação da Paixão de Cristo”, e já a descer em direção à ponte romana sobre o rio Cesarão, um afluente do rio Côa, Bárbara faz questão de mostrar “as lajes”, um recanto da aldeia onde se encontra mais um extenso casario em ruínas. “Isto aqui, com alguma criatividade…”, diz, sublinhando a sua convicção no potencial de valorização turística existente na aldeia. Já a chegar ao centro da aldeia, Bárbara dá provas que acredita no que defende. Duas casas em frente ao pelourinho serão recuperadas e adicionadas aos quatro quartos oferecidos pela Casa Villar Mayor. “Esperamos fazer as candidaturas e submeter os projetos de arquitetura ainda este ano”, revela.
O passeio termina onde começou a conversa, na Casa Villar Mayor. Entretanto, Maria Cândida já despiu a farda do trabalho e vestiu a de anfitriã. Dá-nos a oportunidade de provar alguns dos seus licores enquanto fala com alguma saudade do passado. Numa das varandas cobertas os tomates amadurecem antes de serem transformados em doce. “Nós aqui aproveitamos tudo”, diz. E ainda bem, sobretudo, para os hóspedes que terão a oportunidade de experimentar estes saberes e sabores beirões. É preciso querer para ir a Vilar Maior, mas entre a beleza natural das paisagens do Grande Vale do Côa, o património histórico e cultural, e a hospitalidade beirã, não faltam são motivos para agendar a viagem e partir à descoberta desta pitoresca aldeia da Beira Alta.
@iNature. out2023. Casa Villar Mayor.