BUREL MOUNTAIN ORIGINALS:
A NATUREZA VEIO PARA FICAR

Nos hotéis do grupo Burel Mountain Originals, a confiança dos hóspedes foi ganha com um quarto extra. Pode não ter sido a estratégia mais rentável e foi trabalhosa, mas era necessário e deu resultado. À beira da época natalícia, João Tomás (na foto ao lado da esposa e colega de gestão no grupo) está apreensivo com os recentes dados da evolução da pandemia, mas espera uma época em cheio. Diz que o turismo de natureza veio para ficar e que a Serra da Estrela está menos sazonal, mas que é preciso acertar a estratégia de comunicação para promover a região. Já no braço industrial, o gestor revela-nos o mais recente investimento do grupo e o caminho que estão a fazer para dar outras utilizações a esse produto único que a arte e os saberes da Serra nos dá, o Burel.

Do alto da Serra da Estrela, vê-se otimismo no horizonte. Apesar de, a nível nacional, o número de hóspedes e dormidas nas unidades de alojamento nacionais ser ainda inferior a metade dos registados em 2019, só nos primeiros nove meses deste ano, ambos indicadores superaram já a totalidade dos valores alcançados do ano passado. “O ano está a correr relativamente bem”, diz João Tomás, gestor da Burel Mountain Originals, marca que alberga os hotéis Casa de São Lourenço e Casa das Penhas Douradas e a Burel Factory. O ano até começou de forma complicada, mas uma estratégia de adaptação arrojada e a experiência adquirida em 2020, irão permitir encerrar o ano com uma “taxa de ocupação razoável, face ao contexto”.

A grande mudança estratégica realizada este ano nos hotéis face ao anterior foi a atribuição de dois quartos a cada hóspede dos hotéis: um para dormir e outro para estar e fazer as refeições. “Não é um negócio muito rentável, como imagina”, diz, a rir, mas foi a solução encontrada para dar confiança perante o contexto e assegurar um serviço de excelência. Mesmo no período em que os restaurantes foram obrigados a encerrar, o hotel continuou a servir as refeições aos hóspedes. “Julgo que foi o momento em que o hotel teve o serviço mais sofisticado de sempre”, confessa. 

Para dar confiança e segurança aos clientes nos picos da pandemia, cada hóspede teve direito a dois quartos. Um para dormir e o outro para estar e fazer as refeições. Não foi a estratégia mais rentável, mas deu resultado.

Mas, não foi a única. Entre os múltiplos e imperativos ajustes relacionados com o contexto pandémico, este ano, os gestores optaram por abandonar o lay-off dos colaboradores. Apesar de considerá-la uma boa medida, sobretudo quando o valor pago foi mais aproximado do valor do vencimento auferido, João Tomás considera que o regime não foi adequado à hotelaria porque os hotéis não encerraram – das duas unidades, apenas a Casa das Penhas Douradas encerrou, e apenas por um curto período de tempo. “Os serviços de manutenção, de limpezas e o front-office, que trabalhava diariamente com os clientes que tinham feito reservas no sentido de os convencer a aceitar vouchers em vez de reembolsos. Apesar da ausência de clientes, houve sempre trabalho para fazer, mas quem estava em lay-off não podia trabalhar”, explica.

Na opinião do gestor, o regime adotado não só provocou uma quebra da relação una e solidária entre a gestão e as equipas, quando ela era mais necessária, como obrigou à contratação de trabalhadores que depois não tinham a formação necessária, por exemplo, para trabalhar com o sistema informático dos hotéis. “Esta situação provocou-nos imensos problemas de readaptação no início do verão do ano passado, quando a pandemia abrandou”, diz. “Foi uma legislação feita em cima do joelho, não adaptada às necessidades do setor”, defende, adiantando que o legislador devia ter permitido que os colaboradores trabalhassem alguns dias, na proporção do valor pago pela entidade patronal, para que os hotéis pudessem manter a atividade mínima.

Mas, para João Tomás, o resultado esperado pelo grupo para este ano não foi apenas mérito próprio. “A localização dos nossos hotéis ajudou muito”, defende. “Nós estamos em locais naturalmente confinados e isolados, em sítios fantásticos, no meio da natureza do Parque Natural e do Geopark ‘Estrela’”, adianta, sublinhando que os “colegas” de Lisboa, por exemplo, não têm essa sorte e muitos deles viram-se obrigados a fechar os hotéis durante períodos longos.

A natureza veio para ficar

Nos últimos dois anos, o turismo associado à natureza foi o mais resiliente à quebra generalizada das receitas e em termos geográficos, a região centro esteve entre as mais resistentes. No entanto, quando questionado sobre se o aumento da procura neste segmento terá sido transitório e consequência do contexto pandémico, João não tem dúvidas. “O aumento da procura turística na Serra da Estrela é uma tendência que se tem vindo a observar há dez anos a esta parte”, explica. Embora diferentes no segmento a que se direcionam, tanto o Hotel Casa das Penhas Douradas como o Hotel Casa de São Lourenço têm tido uma ocupação distribuída ao longo do ano. O inverno e o verão continuam a ser as épocas preferidas e, curiosamente, é no verão que a procura é mais intensa. “A natureza muda as pessoas. O contacto com a natureza, através de passeios ou da simples contemplação da paisagem tem um efeito transformacional nas pessoas e são cada vez mais as que a procuram”, afirma o gestor.

“A natureza muda as pessoas. O contacto com a natureza, através de passeios ou da simples contemplação da paisagem tem um efeito transformacional nas pessoas e são cada vez mais as que a procuram”.

A esta mudança de paradigma soma-se outra. A ideia de que os portugueses dão prevalência aos destinos de sol está também a mudar, sobretudo nos segmentos mais elevados. “Nós trabalhamos com o segmento médio-alto, que é composto por pessoas cultas e com outro tipo de motivação. Estas pessoas têm geralmente vidas citadinas muito intensas e veem a natureza como uma terapia”, explica, sublinhando que antes da pandemia, a ocupação dos hotéis do grupo era repartida entre turistas nacionais e estrangeiros. Já nos segmentos mais baixos, a natureza ainda não é uma motivação tão vincada, e o gestor tem uma explicação para isso. “As memórias da vida na província e no interior são memórias de sofrimento e de vida difícil, aquelas que levaram as pessoas a migrar para as cidades. Estas pessoas regressam à ‘terra’ de forma pontual, para visitar a família e matar saudades, mas não para usufruir do espaço e viver o contexto”, adianta.  Mas também aqui o tempo vai mudando as vontades.

Ao longo dos quase 15 anos de experiência. João e Isabel têm notado uma mudança de paradigma. Os descendentes das gentes que noutros tempos migraram para as cidades estão a começar a fazer o caminho inverso. Há, claramente, uma ideia de regresso às origens. “Temos observado que as gerações mais novas estão a reconciliar-se com a ‘terra’, com as tradições, com a casa dos avós. Há pessoas a regressar, para trabalhar, e para constituir família”, constata. Exemplo desta mudança é a evolução do perfil dos colaboradores dos hotéis ao longo do tempo. No início, a mão-de-obra dos hotéis era local. A vila de Manteigas passava por um período difícil devido à falência de muitas unidades do setor têxtil e era dali que vinham muitos dos colaboradores. Eram sobretudo mulheres, ex-operárias têxteis e de idade avançada, descreve João. “Eram pessoas fantásticas, porque não só se conseguiram adaptar como tinham nas suas competências uma atenção muito especial ao detalhe, algo que é muito importante na hotelaria”, conta. Porém, hoje, a realidade é diferente. “Hoje temos gente oriunda do mundo, mais nova e temos os netos e os filhos dessas pessoas, muitos deles licenciados, regressados, e que querem viver e constituir família aqui”, diz o responsável, sem conseguir disfarçar o orgulho. “As gentes da Serra estão a mudar. São mais novas, mais qualificadas e mais despertas para o valor da natureza”, exclama.

Para João Tomás, o mercado espanhol é importante, mas não o mais importante. Os esforços de comunicação devem apontar aos mercados alemão, francês e britânico, na Europa, e ao norte-americano e canadiano, do outro lado do Atlântico, porque são nestes que está o poder de compra desejado.

Mercado espanhol já foi mais importante

O empreendedor reconhece que a pandemia trouxe tempos difíceis ao turismo, mas também que foi um empurrão para o turismo de natureza e para o turismo no interior do país, e não tem dúvidas que a tendência de maior procura neste segmento e regiões veio para ficar. A recuperação do setor vai chegar, embora a ritmos diferentes. “Nós talvez consigamos alcançar os níveis pré-pandemia em 2022, mas não creio que isso seja possível para o setor no geral”, confessa. Ainda assim, o gestor acredita numa recuperação forte no próximo ano e defende uma estratégia para lá chegar.

Para o cofundador do grupo Burel Mountain Originals, Portugal é o melhor destino do mundo. Se não for estará muito próximo e uma visita à sala de troféus do Turismo de Portugal é prova disso. “Temos natureza, praias, cidades, gastronomia, hospitalidade, temos tudo, e de alta qualidade”, diz, mas temos também um problema, “somos o destino mais barato”. Na opinião do gestor, o próximo passo do turismo nacional tem que passar pelo aumento da rentabilidade. “É importante que o setor tome consciência do valor e que se remunere melhor, porque ao fazê-lo vai poder investir mais, pagar mais aos seus colaboradores e, naturalmente, mover a economia”, defende. Para isso, o gestor aponta a necessidade de haver uma comunicação certeira aos mercados que mais poderão valorizar o setor, como é o caso do francês, alemão e o inglês, na Europa, e o norte-americano e o canadiano, do outro lado do atlântico. “Também podemos pensar um pouco nos mercados do Oriente”, realça. No entanto, quando olha para o caminho traçado pelo Turismo do Centro vê uma estratégia muito orientada para o mercado espanhol. Esta direção fazia sentido nos dois últimos anos, dada a proximidade e as restrições impostas à mobilidade, apesar de se ter revelado errada. Nos picos da pandemia, a nacionalidade espanhola fixou-se pelo terceiro lugar no ranking das nacionalidades que mais visitaram Portugal. “Por exemplo, no nosso caso, durante a pandemia, as nacionalidades inglesa e norte-americana foram as predominantes”, revela. “Continuar a colocar o mercado espanhol no centro dos nossos esforços é pensar pequeno”, afirma.

A pandemia mudou o paradigma das reservas. A intermediação perdeu peso. Neste sentido, João Tomás defende que a comunicação deve ser orientada para o consumidor e não para os operadores turísticos, como tem sido no passado.  

A comunicação é para João Tomás o fator chave para atrair turistas ao país e, neste campo, o gestor sublinha algumas mudanças que devem ser incorporadas nas estratégias de comunicação institucionais. Uma delas, que deriva da pandemia, foi a desintermediação. “Nestes últimos tempos, os operadores foram um pouco afastados e o peso da intermediação nos hotéis diminuiu drasticamente”, conta, dando o exemplo da realidade vivida nos hotéis do grupo. “Para nós é uma evidência. A percentagem de clientes que nos chega através dos canais de distribuição é mínima e nas grandes cadeias é também uma realidade. Nos hotéis Pestana, por exemplo, 60% das reservas são feitas através de canais próprios”, afirma. Esta nova realidade obriga a uma mudança: a comunicação deve ser orientada diretamente para os consumidores em vez de para os operadores. E, como meio privilegiado, através de artigos em revistas internacionais de renome. Há várias, mas uma delas, que já demonstrou o seu impacto no passado é a Monocle. “Há muito jornalistas, correspondentes de órgãos de comunicação internacionais relevantes, a viver em Portugal. Temos que os aproveitar”, defende. “Ainda ontem estive com um jornalista da Monocle a visitar uma fábrica que adquirimos recentemente”, revela.   

Burel. O futuro passa por aqui

Numa passagem pela Casa das Penhas Douradas ou pela Casa de São Lourenço, é impossível não reparar no elemento unificador que faz parte da marca Burel Mountain Originals, a lã e o tecido que dela nasce - o Burel. Muitas vezes, o segredo para que uma região tenha um futuro de sucesso, não passa por investimentos públicos faraónicos, mas sim pela inovação aplicada aos produtos endógenos, cuja tradição e saberes locais, os tornam naturalmente diferenciadores e competitivos. É com base nesta tese que nasce a Burel Factory, hoje um museu vivo cuja história deve ser conhecida através de uma das visitas guiadas promovidas pelos dois hotéis do grupo.

Aliás, apesar dos desafios, o investimento no Turismo Industrial, área que há dez anos praticamente não existia, foi fundamental para o aproveitamento do património industrial têxtil da região da Serra da Estrela e veio acrescentar mais um fator diferenciador para o turismo da região. A recente entrada da cidade da Covilhã na Rede de Cidades Criativas da UNESCO foi, neste contexto, “a cereja no topo do bolo”.

O grupo adquiriu recentemente uma fábrica de tinturaria, na Covilhã. Com este novo investimento, a ideia é verticalizar o negócio do burel e desenvolver técnicas mais amigas do ambiente. 

Na indústria do Burel, o efeito da pandemia foi mais notório. Apesar de ter uma loja online, as quatro lojas físicas da Burel Factory – Burel Chiado, Burel Porto, Burel Manteigas e Burel Arquitetura (Lisboa) – estiveram boa parte do tempo encerradas. “Tentámos aproveitar o facto de sermos multisegmento e conseguir fazer alguma exportação, mas foi difícil”, diz João. Ainda assim, o casal de empreendedores mantêm a garra inicial. Apesar de a lã ser um produto sazonal, estão a desenvolver uma estratégia para contornar esse desafio. Querem levar o Burel para o campo da arquitetura, tornando-o num material de construção. Neste sentido, estão prestes a concluir um estudo em conjunto com o Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico para a Construção, Energia, Ambiente e Sustentabilidade da Universidade de Coimbra sobre as características do Burel como material de construção, para depois o poder potenciar como tal.

Noutra frente, adquiriram recentemente uma fábrica na Covilhã que estava em processo de falência. Não era algo que tinham em mente, mas era a fábrica que tingia os tecidos produzidos na Burel Factory em regime de outsourcing e deixá-la falir iria comprometer a atividade da Burel Factory. “Como esta aquisição vamos verticalizar o negócio. É um desafio grande, porque é uma unidade fabril com uma capacidade instalada superior à que necessitamos e tem custos energéticos elevadíssimos, mas já estamos a trabalhar nos problemas”, conta João Tomás. Uma das apostas será na industrialização da tinturaria orgânica, uma área da química com a qual já estão a trabalhar com a Universidade da Beira Interior e com a Universidade do Porto. “É algo muito inovador e interessante, porque os têxteis e sobretudo as tinturarias, são indústrias muito poluentes. E nós queremos contribuir para mudar este espeto menos bom da indústria”, justifica.

@iNature. Fotos Burel Mountain Originals