A manhã ainda vai curta e no restaurante “O Bernardo” já Teresa Cabral Miranda varre a esplanada. Mesmo ao lado, um edifício marcado por uma arquitetura moderna marca a paisagem. Não é coincidência. Ambos pertencem à família Cabral Miranda e são um exemplo do empreendedorismo necessário à mudança dos tempos.
Quando o snack-bar “O Bernardo” abriu há 27 anos, a aldeia de Inguias, Belmonte, fervilhava de gente. “Havia duas padarias, mercearia, um talho. Desapareceu tudo”, diz-nos Bernardo, marido de Teresa, do lado de dentro do balcão do agora restaurante. “Uns emigraram, outros mudaram-se para Belmonte”, conclui. Ele, a esposa e os filhos, Norberto e Rodrigo, foram ficando, agarrados às raízes e ao negócio que mais tarde cresceu para restaurante. “Nós fomos evoluindo e a aldeia foi caindo”, diz, conformado. O edifício é um Alojamento Local (AL) e mais um passo dessa evolução mas, desta vez, já com a marca da geração mais nova da família,
Norberto, o filho mais velho do casal, tinha dois anos quando os pais inauguraram o snack-bar. Licenciado em Gestão, também já não vive na aldeia. Trabalha e reside a vinte minutos de distância, na Covilhã, mas nunca perdeu Inguias de vista. A ideia e a obra – trabalho, leia-se –, foram dele. O pai sempre pensou em investir numa casa para arrendar, para albergar os trabalhadores ali deslocados. “Ainda há pouco tempo tivemos aqui trabalhadores da Mota-Engil, aquando da recuperação do troço da linha ferroviária entre a Covilhã e a Guarda”, justifica. Porém, a sedução do turismo acabou por vencer.
Embora encartado para a lides da gestão, Norberto confessa que mergulhou no escuro. “No início passei um mau bocado”, diz. O “Cantinho dos Cabrais” nasceu com a ajuda do programa Portugal 2020 e o jovem preparou-se. Sabia como funcionavam os procedimentos, os reembolsos, os timings e as regras associadas a este tipo de programa de apoio ao investimento. Tratou do projeto de arquitetura e dos licenciamentos antes da candidatura e recorreu a uma empresa de consultoria de gestão. “Correu tudo de acordo com o esperado”, afirma.
Nestes programas, os apoios são concedidos mediante a entrega trimestral dos comprovativos do investimento feito, mas o reembolso é moroso. “Chega a demorar seis a nove meses. É muito tempo”, conta. Apoiado pela família, Norberto tinha o capital para manter o projeto a andar. “Mas agora sei porque muitos destes projetos ficam pelo caminho”, diz. O grande desafio de gestão viria depois.
O “Cantinho dos Cabrais” abriu em julho de 2020, no auge da pandemia, e o jovem gestor optou por jogar à defesa. “Limpezas, reservas, no início era eu que fazia tudo”, explica. Mas a adesão às plataformas de reservas online e a recuperação da atividade turística complicou a estratégia, e ainda bem. Começou por trabalhar com o Booking.com, o Expedia.com e o Airbnb.com. Agora trabalha também com o Odisseias e deixou o Airbnb.com. Norberto não tem dúvidas, são ferramentas muito boas para a angariação de clientes e “o Booking.com é a que trabalha melhor”, afirma. Quando as reservas começaram a surgir, Norberto sentiu que era impossível conciliar a gestão do alojamento e a sua vida pessoal e profissional e teve que recorrer a uma empresa de serviços de limpeza. Hoje, é uma espécie de coordenador e continua a desempenhar o papel principal na gestão da unidade, mas vive menos em sobressalto.
O “Cantinho dos Cabrais” é constituído por dois apartamentos com sala, kitchenette e três quartos cada, que podem ser reservados individualmente, o que o torna numa boa opção para casais e para famílias ou grupos. É classificado como Alojamento Local (AL), mas foi pensado para ser diferente dos demais. Além do pequeno-almoço incluído, tem uma zona de Spa, equipada com jacuzzi, sauna, banho turco, uma área de descanso e toalhas, robes e produtos de banho com a chancela do alojamento, tipo hotel de classe superior. Tudo pormenores pensados pelo jovem empreendedor que diferenciam a unidade, o que o leva a defender que os Alojamentos Locais deviam ter uma classificação, à semelhança da existente para os hotéis.
Mas o que diferencia o “Cantinho dos Cabrais” da maioria dos AL é algo mais especial. O alojamento não tem receção. Norberto optou por um sistema de fechaduras com recurso a código. Sempre que recebe uma reserva, o gestor entra em contacto com as pessoas e desencadeia um processo automático de envio dos códigos de acesso. “No início tive dúvidas, mas depois rendi-me ao sistema. Assim, as pessoas chegam às horas que quiserem e é melhor para nós”, adianta. Ainda assim, Norberto faz por receber os hóspedes pessoalmente e, quando não consegue, delega num dos membros da família. Rodrigo ajuda sempre que está presente. O jovem de 23 anos frequenta o último ano do Mestrado em Engenharia Eletrotécnica na Universidade de Aveiro e domina o inglês, o que o torna ideal para receber os hóspedes estrangeiros e fazer alguma reparação mais técnica. Quando este não pode, Teresa e Bernardo assumem o leme. E que anfitriões são eles.
O casal incorpora os típicos valores da hospitalidade beirã. De sotaque bem vincado e simpatia endógena são em si parte integrante do património local. O empreendimento tem sido um desafio para ambos, sobretudo para Teresa, que soma agora os pequenos-almoços à cozinha diária do restaurante. “A minha mãe é uma ótima cozinheira. Não tem nenhum curso, mas tem uma sabedoria imensa e procura evoluir, fazer uns pratos novos e caprichar na apresentação”, conta Norberto. “Estou sempre a incentivá-la”, diz.
É a Teresa que compete fazer e servir os pequenos-almoços, funções que acumula com a cozinha do restaurante. O hotel trouxe novos clientes. Todos os hóspedes acabam por experimentar a sua arte. “Fazem sempre pelo menos uma refeição no restaurante”, diz Norberto. Percebe-se. É prático ter um restaurante ao lado de casa depois de um dia de passeio e experiências. Entre os pratos mais correntes está o Bacalhau e o Polvo à Lagareiro e o Costeletão de Vitela. De vez em quando, mais por pedido, há Rancho, Jardineira e um ou outro prato mais típico. No dia em que a visitámos, a matriarca da família preparava uma Língua de Vitela Estufada para servir ao almoço.
Inguias até pode ser uma aldeia desconhecida, mas os turistas têm-na encontrado. “Temos tido visitantes de todo o mundo”, diz Norberto, elencando de seguida as várias nacionalidades. “Alemães, holandeses, franceses, espanhóis, brasileiros, muitos israelitas nos últimos tempos, americanos e até húngaros”, exclama. A localização, central para uma visita aos patrimónios desta região da Beira Interior, será um dos motivos principais da procura. Está a 40 minutos do topo da Serra da Estrela, e as escassos dez das Aldeias Históricas de Belmonte e de Sortelha. Dali à Serra da Malcata é um pulinho e, no verão, as praias fluviais de Valhelhas, em Manteigas, e do Meimão, estão a 20 minutos de distância. Mas não será o único motivo. O Interior Centro de Portugal está cheio de aldeias desconhecidas que têm como marca a genuinidade das suas gentes, gastronomia e tradições. Inguias é apenas mais uma delas.
@iNature | Cantinho dos Cabrais.