Em plena aldeia do Vale da Senhora da Póvoa, uma casa amarela, de estilo arquitetónico Art déco, chama a atenção de quem passa na estrada Nacional 233, entre Penamacor ao Sabugal. No topo da fachada, um ramo de flores em relevo justifica-lhe o nome. Chama-se “Casa das Margaridas”, o mais recente alojamento rural da região e, porventura, a derradeira empreitada de José Filipe Mugeiro.
Engenheiro civil de formação, José Filipe Mugeiro (José) teve uma vida profissional preenchida. A construção levou-o à Holanda, à Bélgica e a Angola - quando a última crise se abateu sobre a Europa - e, nos últimos anos, desempenhava o engenho em Lisboa onde, na companhia de um sócio, comprava e reabilitava prédios. Porém, aos 60 anos, o engenheiro sentiu uma necessidade de “travar”. “Comecei a sentir alguma saturação e a necessidade de encontrar uma alternativa”, diz.
Embora nascido e criado em Lisboa, José é neto do interior e foi lá, no Vale da Senhora da Póvoa, que passou boa parte das férias escolares. “Na adolescência passei a vir cá com menos assiduidade. Naquela altura, e como muitos jovens, eu queria era ir para ao Algarve”, diz, a rir. No entanto, há medida que a idade foi avançando e a frequência das viagens à aldeia foi aumentando, uma memória antiga foi ganhando força.
A Casa das Margaridas nasceu em 1944 pela vontade do avô do engenheiro que, infelizmente, viria a falecer antes da sua conclusão. “A minha avó ficou com uma grande mágoa”, recorda. Ana, acabou por falecer em 1988 e desde então, a casa de habitação da família, além de incompleta, encontrava-se devoluta. “Não sei porquê, nem quando, mas a certa altura senti uma enorme vontade de acabar a casa”, adianta. E, do querer ao fazer, foi uma questão e tempo.
Arquitetura peculiar
Em 2017, José começou a desenhar o regresso. Estudou os apoios existentes para investir no âmbito do turismo e procurou um arquiteto local que o ajudasse na concretização do projeto. Ambos processos não foram difíceis. Arquiteto só há um na região, o da Câmara Municipal de Penamacor. “Ah, é você que é o dono da casa Art déco do Vale”, exclamou o responsável quando José o confrontou com a intenção de reabilitar a casa e reconvertê-la num alojamento rural. De facto, com uma fachada amarela e branca, carregada de relevos, dos quais se destaca um ramo de flores no topo e caixilharias bordeaux, o edifício é possuidor de uma beleza ímpar que não passa despercebida a quem passa na estrada.
Tanto a construção como a adaptação do edifício à nova utilização, sem alterar a arquitetura original, foram um desafio. Numa zona altamente despovoada, é difícil encontrar empresas de construção e os materiais acabam sempre por vir de longe. Mas, fez-se. Em 2018, José elaborou uma candidatura no âmbito do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional – FEDER, que foi aprovada. As obras iniciaram-se no ano seguinte e a “Casa das Margaridas" abriu ao público no início deste ano, com cinco quartos, sala comum e um pátio interior, tudo com uma decoração à altura do valor arquitetónico do edifício e, claro, ao gosto do proprietário. Através das fotografias no site do alojamento é possível ver as múltiplas esculturas e quadros que conferem um alegre e colorido ambiente ao espaço. Muitas delas foram adquiridas pelo próprio nos países por onde passou, sobretudo, em Angola, de onde trouxe um gosto especial pela arte local.
Satisfeito com a obra e otimista em relação à atividade turística na região, o empresário está já a preparar uma fase de expansão. Conseguiu adquirir dois edifícios que confinam com as traseiras da Casa das Margaridas e vai reconvertê-los em cinco estúdios. Porém, devido à escassez de empresas de construção na região, o início das obras está previsto apenas para o próximo ano.
“Os Censos que agora foram realizados vão revelar uma realidade gritante"
Integração a aprofundar
Neto da terra, José não está a sentir dificuldades de integração. “Os mais velhos ainda se lembram de mim e alguns até dizem que eu prometi à minha avó que, um dia, iria terminar a casa que o meu avô começou”, diz o engenheiro confessando que não se lembra de tal promessa. Numa aldeia pequena e onde pouco acontece, foi com gosto que viu a curiosidade dos vizinhos aquando das obras. “Desejam-me sorte e, agora, terminada a obra, é com expectativa que aguardam os visitantes”, adianta. No entanto, é com alguma nostalgia que vê a aldeia despovoada. Nos tempos que correm, a aldeia do Vale da Senhora da Póvoa conta com cerca de 200 habitantes, um número que no tempo dos seus avós rondava os 1200. “Há dias em que atravesso a aldeia para ir ao restaurante e não vejo uma única pessoa”, diz. “Os Censos que agora foram realizados vão revelar uma realidade gritante", lamenta.
Para o empresário, o turismo faz parte da solução do despovoamento do interior do país, mas não é uma fórmula mágica. No sopé da Serra d'Opa, próxima da Serra da Malcata, que tem uma reserva rica em fauna e flora, próxima de várias aldeias históricas e a pouco mais de meia dúzia de quilómetros da Barragem do Meimão - onde existe uma praia fluvial -, a aldeia do Vale da Senhora da Póvoa tem uma localização privilegiada, mas é preciso potenciar o local. “Temos aqui um património natural valioso e com um enorme potencial para explorar”, diz. “Tenho trazido cá uns amigos e eles vão daqui maravilhados com a natureza, o silêncio e a calma”, conta. No entanto, para José, pouco foi feito nos últimos anos.
“As Juntas de Freguesia têm pouco poder,
mas é preciso ser persistente junto de quem tem o poder para fazer”
Espírito inquieto
Da janela da Casa das Margaridas com vista para a Serra d'Opa, observa-se uma floresta densa e íngreme. “Aqueles caminhos foram abertos pela associação de caça”, aponta José. Quando iniciou o projeto, há cerca de três anos, teve oportunidade de questionar o edil de Penamacor sobre a estratégia da autarquia relativamente à criação e manutenção de percursos pedestres, um dos produtos mais procurados pelos visitantes da região. “Foi-me dito que estava a ser tratado”, conta, mas a paisagem mostra uma realidade diferente. “Há percursos, mas sou eu que os conheço e é difícil indicá-los a alguém que não conheça o território. É preciso marcá-los e certificá-los.”, explica.
Ideias não lhe faltam e, no futuro, José não descarta a possibilidade de vir a ter um papel mais ativo na Junta de Freguesia local. “As Juntas de Freguesia têm pouco poder, mas é preciso ser persistente junto de quem tem o poder para fazer”, defende. Para o empresário, fruto do despovoamento do território, há uma clara falta de recursos humanos e financeiros na região, "mas há formas de os conseguir", defende.
O património mineiro da região é outro dos “produtos turísticos” que José gostaria de ver potenciado. “Esta casa existe por causa da exploração do volfrâmio que depois era contrabandeado para Espanha”, diz, sublinhando a relação histórica da região com a atividade mineira de outros tempos. Além deste, o proprietário da Casa das Margaridas aponta ainda o potencial da Serra d'Opa para a prática de parapente, observação de aves e dos astros, atividades que têm uma enorme capacidade de atracão de visitantes e que se enquadram no conceito de turismo de natureza.