Há vários locais no mundo onde existem vestígios de dinossauros e Portugal não é exceção. Na região compreendida entre o Cabo Mondego e o Cabo Espichel, são inúmeros os vestígios destes animais que dominaram a Terra na Era Mesozoica – entre 250 e 66 milhões de anos atrás. Entre eles, estão os dois maiores e mais bem conservados trilhos de pegadas de dinossauros Saurópodes do mundo.
Descobertos em 1994 por acaso na “Pedreira do Galinha”, um local de extração de britas cujo nome se deve ao nome do então proprietário, o espaço foi adquirido pelo Estado e classificado dois anos mais tarde como Monumento Natural. “Ninguém fica indiferente ao ver isto”, diz-nos Ildegardo Granjo (foto 2), colaborador da ADSAICA – Associação de Desenvolvimento das Serras de Aire e Candeeiros, a entidade gestora do monumento tutelado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
Natural de Sintra, Ildegardo migrou para a região no final do século XX para trabalhar nas Grutas do Almonda. Com treze quilómetros de extensão, as Grutas do Almonda são uma espécie de santuário nacional da espeleologia e um retrato do território do Maciço Calcário Estremenho onde abundam este tipo de formações subterrâneas. “Fazíamos visitas às grutas com dez a quinze pessoas durante quatro a cinco horas”, diz. Chegou a ser surfista mas, por incentivo do pai, cedo se apaixonou pela espeleologia. Começou por fazer "trabalho vertical" em edifícios, “porque é onde se ganha dinheiro”, justifica, mas a paixão pelos mistérios das profundezas da Terra não o deixou andar muito tempo pelas alturas. “Entrar no mundo subterrâneo é como entrar noutro planeta”, exclama, e as Grutas do Almonda “são qualquer coisa de extraordinário”, adianta. No entanto, a falta de interesse e de investimento na promoção das grutas do ponto de vista turístico-espeleológico levou-o a seguir outros caminhos, curiosamente, os dos dinossauros Saurópodes que por ali vagueavam há 168 milhões de anos.
Para quem chega ao Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios de Ourém/Torres Novas, o cenário pouco convidativo de antiga pedreira, rochoso, árido e pobre em vegetação, contrasta com a riqueza dos conhecimentos geológicos e paleontológicos ali depositados. “Agora estamos quase na zona mais elevada da Serra de Aire, a 679 metros de altitude, mas quando os dinossauros Saurópodes aqui andaram esta era uma plataforma horizontal lagunar, semelhante à Ria Formosa ou à Ria de Aveiro, de solos lamacentos, o que permitiu a não erosão das pegadas”, explica.
Visitar a “Pedreira do Galinha” não se resume à observação do rasto ali deixado pelos dinossauros Saurópodes. Na última requalificação do espaço foi construído um percurso pedestre em torno da pedreira que permite uma panorâmica extraordinária sobre a laje (foto 3) onde estão "gravados" os trilhos de pegadas com 147 e 142 metros de comprimento, que lhes conferem a importância de serem os maiores e mais preservados do mundo. Foram colocados painéis informativos ao longo do percurso que vão contando e ajudando a interpretar a história paleontológica e geológica do local. “Isto é uma aula de campo”, defende Ildegardo. “O que está aqui vem nos manuais escolares”, sublinha. Já na laje, foram construídos passadiços de madeira a poucos centímetros do chão que, além de melhorar a acessibilidade ao local, permitem uma visualização próxima sem comprometer a preservação.
Já depois das pegadas, o percurso leva os visitantes a uma zona onde se encontra um painel temporal da vida na Terra (foto 1) e um “jardim jurássico” com plantas ainda existentes de grupos característicos do Jurássico e um lago naturalizado. Dali, a visita segue para a receção do Monumento Natural (foto 4) – o antigo edifício principal da pedreira - onde é obrigatória a visualização de um pequeno filme no auditório para levar uma compreensão holística da história e do património natural do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC). E, já agora, porque não comprar uma lembrança dos Saurópodes da Serra de Aire. Um aviso prévio, o “Jaquim”, não está à venda. A mascote da equipa do geomonumento tem uma história curiosa que poderá saber pela Luísa, uma das técnicas locais.
O ano 2023 está a ser um dos melhores para o Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios de Ourém/Torres Novas. Nos primeiros meses do ano bateram-se recordes de vendas de merchandising e o número de visitantes deverá ir pelo mesmo caminho. Porém, é tão fácil para qualquer visitante perceber a importância do que vê, como assinalar que há muito por fazer ao nível da valorização e da comunicação deste tesouro geológico e paleontológico.
Boa parte dos planos de requalificação pensados para o geomonumento nunca deixaram o papel na totalidade. Entre eles está um plano inicial recomendado em 1996 pelo professor universitário António Galopim de Carvalho, conhecido como o “avô dos dinossauros”, que compreendia um Museu e Centro de Interpretação com auditório, biblioteca, arquivo, salas de exposição, oficinas pedagógicas, refeitório, cafetaria, etc.
O Monumento é pouco comunicado, o que se traduz no reduzido número de visitantes, quando comparado com outros geossítios. Em média, o Monumento Natural das Pegadas de Dinossauro de Ourém/Torres Novas recebe cerca de 20 mil visitantes, quando as Grutas da Moeda ou as Grutas de Mira de Aire recebem cerca de 100 mil. É um número que pode ser facilmente alavancado com comunicação. Afinal, ali, a escassos quilómetros de distância, está um íman que atrai cerca de uma dezena de milhões de visitantes por ano, Fátima. É verdade que é um turismo e um perfil de turista diferente, mas como conta Ildegardo “são as placas na estrada que nos trazem mais visitantes, a maioria quando vai ou vem de Fátima”.
Mais visitantes, mas com equilíbrio e numa ótica agregadora dos patrimónios naturais do PNSAC. “Não queremos aqui turismo de massas, nem podemos”, defende Ildegardo. “Mas é possível ligar este espaço às Grutas do Almonda, a pé ou de bicicleta, aproveitando o PR1 TNV – Rota do Almonda, fazer vistas exteriores às grutas, recuperar o centro interpretativo que ali existia, fazer recriações históricas que mostrassem com se vivia naquela altura e fazer a ligação com o jurássico”, explica. “Não é preciso inventar a roda. É o que fazem nas Grutas de Altamira, em Espanha, e funciona. Depois, se houvesse procura até se podiam agendar visitas ao interior das grutas”, adianta, defendendo uma gestão integrada dos monumentos naturais da região.
O espaço, gerido pela ADSAICA e tutelado pelo ICNF, tem sido alvo de pontuais investimentos. A pintura do artista “Tenório”, no edifício principal, realizado no âmbito do projeto “Mapas Natureza” em 2021, financiado pela Destinature – Associação de Desenvolvimento do Turismo de Natureza, foi o último esforço de melhoria de um espaço que já chegou a albergar colónias de férias. Ildegardo reconhece as dificuldades. “É necessário um plano anual e investimento e uma visão agregadora de longo prazo”, defende. Nos últimos tempos têm surgido boas notícias. Além dos números, a equipa (foto 5) até agora constituída por Ildegardo e Luísa cresceu e passou a contar também com Alexandra e Fátima, dois novos elementos que permitirão oferecer mais e melhor valor aos visitantes. E, no horizonte, há sinais de uma nova Era para o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC) e para o Monumento das Pegadas de Dinossáurios de Ourém/Torres Novas.
O PNSAC integra o novo modelo de cogestão para as áreas protegidas aprovado em agosto de 2019. Entre outros, um dos objetivos deste novo modelo de gestão e governança das áreas protegidas é imprimir dinâmica participativa e de proximidade. O primeiro passo foi dado em maio com a assinatura do protocolo de cogestão do PNSAC, que tem como subscritores o Fundo Ambiental, o ICNF e a ADSAICA, e foi já nomeada uma comissão de gestão que em breve apresentará um plano de ação. É uma nova Era na gestão do PNSAC, que levará a novos caminhos e deixará novas pegadas no território.
Entretanto, enquanto elas não surgem, fica o convite para ir até ao Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios de Ourém/Torres Novas experienciar o ambiente Jurássico e aproveitar para ficar a conhecer melhor o património natural do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros.
@iNature. julho 2023