Florestas Curativas (Healing Forests) ou Florestas Terapêuticas. O que são e quais os critérios necessários para que uma floresta seja certificada para a prática de atividades terapêuticas? O que é que a ciência já sabe sobre o impacto da natureza na saúde humana? Em entrevista à iNature, Stefanie Frech responde a estas e outras questões. “(Ainda) são necessários mais estudos para aprofundar o conhecimento científico existente sobre o poder de cura das florestas em determinadas doenças”, defende, apesar de sublinhar as já existentes evidências do poder curativo da natureza. Para a responsável do Gabinete Internacional de Certificação de Florestas Terapêuticas (Healing Forests) (GIC) da Sociedade Internacional de Terapia de Floresta (ISFT), entidade criada pelo Ministério da Economia, Infraestruturas, Turismo e Trabalho do Estado Federal de Meclemburgo-Pomerânia Ocidental e gerido pelo BioCon Valley, o cluster da economia da saúde daquela região, valorizar as florestas é contribuir para a consciencialização do valor da natureza, para a sensibilização da situação climática atual e para a melhoria da saúde do planeta. Ou seja, é um caminho obrigatório.
O que é uma Floresta Terapêutica?
Uma floresta terapêutica ou floresta curativa, como lhe chamamos, é uma área florestal destinada ao uso terapêutico para determinadas condições de saúde. Se realizados por terapeutas treinados, os tratamentos na floresta influenciam positivamente os desequilíbrios causados por doenças – prevenção terciária. As doenças crónicas, por exemplo, podem ser tratadas de forma paliativa numa Healing Forest – Floresta Curativa.
Nem todas as florestas podem ser terapêuticas. Quais as características necessárias a uma floresta para que possa ser considerada terapêutica?
A ideia por trás do certificado internacional de “Healing Forest” é garantir um padrão de qualidade nas florestas utilizadas para fins terapêuticos. Nós, no GIC, desenvolvemos um conjunto de critérios que permitem avaliar de forma padronizada e equitativa qualquer floresta no mundo e, caso esses critérios sejam cumpridos, assegurar a sua qualidade para a prática da Terapia de Floresta, através da certificação.
"A ideia por trás do certificado internacional de 'Healing Forest' é garantir um padrão de qualidade nas florestas utilizadas para fins terapêuticos".
Quais são esses critérios?
Uma Healing Forest (Floresta Terapêutica) tem de ser o mais natural possível. Tem de oferecer proteção contra o ruído, proteger da poluição visual e do vento, e ter ar de boa qualidade. Tem também de ter caminhos com diferentes níveis de esforço ou diferentes graus de dificuldade. Mas eu diria que o critério mais importante é haver nessa floresta uma oferta regular de atividades organizadas por terapeutas formados e por membros de outras profissões terapêuticas, como fisioterapeutas e ergoterapeutas, por exemplo, e áreas designadas para atividades terapêuticas e exercícios de relaxamento.
E quem faz essa avaliação?
Os critérios são avaliados por especialistas de vários ramos. Os especialistas florestais, após uma visita à floresta, preparam um relatório florestal que depois segue para um perito médico que elabora um relatório médico-terapêutico com base no relatório florestal. O conceito de utilização proposto para a floresta pela entidade interessada também é avaliado. Este conceito deve ser apresentado previamente e conter a descrição das ofertas terapêuticas para as quais a floresta candidata deverá ser eficaz. Dependendo da localização e das características da floresta, o conceito pode envolver o tratamento de diferentes doenças, mas o importante é integrar sempre a orientação de terapeutas florestais credenciados e ou de uma unidade de saúde.
Há um conjunto de procedimentos a cumprir.
Sim. Todo este processo segue um procedimento padronizado. Primeiro, avaliamos as informações básicas fornecidas pelo proprietário ou entidade responsável pela floresta. O GIC faz uma inspeção à floresta para ter uma ideia do potencial uso como floresta terapêutica. No caso da Mata Nacional do Bussaco, esta visita foi feita em junho, quando me desloquei a Portugal para discutir os detalhes com as entidades responsáveis e passar o dia na floresta.
Após fornecidas informações como a área florestal e o uso terapêutico previsto, é realizado um relatório florestal, seguido do relatório médico-terapêutico. Por fim, em conjunto, os dois relatórios analisam o potencial da floresta no que concerne à sua adequação ao conceito de utilização com base nos critérios já mencionados.
"Dada a enorme variedade natural, a Mata Nacional do Bussaco pode ser utilizada para múltiplos fins. As práticas de prevenção e de reabilitação são duas delas".
A Mata Nacional do Bussaco cumpre os critérios exigidos?
A Mata Nacional do Bussaco tem muitas das características necessárias para ali ser criada uma Floresta Terapêutica. Tem dimensão, uma boa localização, tem infraestruturas e acessibilidades. Ainda há pormenores que precisam de ser tratados, como é o caso da sinalização, mas ainda estamos a meio do processo de certificação, ainda há tempo. O conceito de uso e os dois relatórios fornecerão todas as informações necessárias para criar uma floresta terapêutica dentro da Mata Nacional do Bussaco.
Em junho, quando visitei a floresta, fiquei muito impressionada com as diferentes áreas dentro da Mata, a parte com oliveiras muito antigas, o vale dos fetos e o espaço aberto, todas estas zonas têm imenso potencial para ser aproveitado como áreas terapêuticas. Dada a enorme variedade natural, a Mata Nacional do Bussaco pode ser utilizada para múltiplos fins. As práticas de prevenção e de reabilitação são duas delas.
Uma vez certificada, a floresta tem de cumprir algumas regras especiais, como algum nível de proteção adicional ou algum tipo de restrições de frequência?
O relatório florestal pode incluir medidas de gestão da floresta, tendo em conta as características da floresta e os habitats dos animais que vivem naquela área florestal. Ao nível terapêutico, será o relatório médico a definir as regras. Quanto às restrições de frequência, defendemos que uma floresta terapêutica deve estar aberta a todos. É nossa intenção que a visita a uma floresta designada como terapêutica leve as pessoas a valorizar mais as questões da sustentabilidade e da proteção florestal.
Ainda assim, como regra geral, a área florestal dedicada à prática terapêutica, idealmente localizada dentro de uma floresta maior, deve ser um local de tranquilidade. Os sons da natureza são fundamentais para qualquer forma de terapia, pois criam a sensação de um profundo relaxamento, de calma e tranquilidade, sentimentos contrários aos da agitação da vida quotidiana, e isso é muito valorizado pelos praticantes das terapêuticas.
"É nossa intenção que a visita a uma floresta designada como terapêutica leve as pessoas a valorizar mais as questões da sustentabilidade e da proteção florestal".
Já existem evidências científicas que liguem estas características das florestas à melhoria da saúde?
Nos últimos dez anos, foi feito um vasto trabalho de investigação sobre os efeitos da floresta e da natureza na promoção da saúde. A maioria desse trabalho foi efetuado em países asiáticos, onde os banhos de floresta (shinrin-yoku) demonstraram que a permanência em ambiente florestal tem efeitos positivos na promoção do bem-estar e do relaxamento do corpo e da mente. Principalmente, provaram que o clima da floresta promove a saúde, que inclui, além do relaxamento, a prevenção, a terapia e a reabilitação.
Já é evidente que passar tempo na floresta diminui o ritmo cardíaco e a pressão arterial. Além disso, os terpenos - substâncias químicas naturais libertadas pelas árvores -, têm um efeito positivo no sistema imunológico humano. E usar os nossos sentidos, como ouvir o barulho da água, sentir o cheiro da floresta, perceber os diferentes tons de verde e o chilrear dos pássaros, são atividades que contribuem para a redução do stress.
Uma coisa é promover o bem-estar outra é curar. Será a floresta, a natureza, capaz de curar?
Os estudos científicos indicam que as florestas têm um efeito positivo em diferentes quadros clínicos. A elevada qualidade do ar e a elevada humidade têm efeitos positivos no tratamento de doenças respiratórias. Estas características, quando combinadas com exercícios respiratórios específicos, suportam o sistema muscular respiratório.
Um estudo preliminar realizado no Estado Federal de Meclemburgo-Pomerânia Ocidental, na Alemanha, demonstrou a capacidade de cura em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crónica. Parâmetros específicos da doença registaram melhorias significativas quando comparados com atividades realizadas indoor.
Nas doenças ortopédicas, há atividades que podem ser desenvolvidas nas florestas e que têm influência no fortalecimento do sistema músculo-esquelético. Neste caso, o uso de equipamentos de treino sob supervisão de terapeutas ajuda a melhorar o equilíbrio e aumentar a coordenação.
Nas doenças psicossomáticas, também há evidências que os exercícios terapêuticos na floresta são positivos para a saúde mental, o mindfulness e também para doenças oncológicas. Está demonstrado que após permanecer algum tempo numa floresta, o número de glóbulos brancos aumenta e o corpo liberta menos hormonas de stress, o que origina um fortalecimento do sistema imunológico no geral.
Todos estes exemplos são indicadores que vão no sentido da sua questão, mas, no entanto, são necessários mais estudos para aprofundar o conhecimento científico existente sobre o poder de cura das florestas em determinadas doenças.
"Para impulsionar o processo de implementação e reconhecimento dos efeitos positivos da terapia de floresta é preciso demonstrá-los para diferentes indicações e é necessária uma forte rede de parceiros".
Essas evidências são reconhecidas pelos profissionais de saúde ao ponto destes prescreverem a terapia florestal como tratamento para determinadas patologias? Já existem sistemas nacionais de saúde onde os médicos recomendam a terapia florestal?
Essa é uma questão muito generalista. Em alguns países, como no Japão e no Canadá, os sistemas e os profissionais de saúde já recomendam a terapia de floresta aos pacientes. Na Alemanha formamos terapeutas florestais, mas é muito difícil conseguir o reembolso de uma despesa com terapia de floresta por parte do sistema nacional de saúde ou pelas seguradoras. No campo da reabilitação, por exemplo, os terapeutas combinam os efeitos positivos da terapia de floresta com outras terapias mais convencionais e obtêm resultados muito interessantes. Para impulsionar o processo de implementação e reconhecimento dos efeitos positivos da terapia de floresta é preciso demonstrá-los para diferentes indicações e é necessária uma forte rede de parceiros.
De acordo com o seu conhecimento de Portugal, existem outras florestas no país com potencial para serem certificadas como terapêuticas? Infelizmente, não conheço bem o país, mas sei que mais de um terço da área de Portugal é coberta por floresta, pelo que leva-me a crer que existem outras florestas além da Mata Nacional do Bussaco com potencial para serem chamadas florestas curativas. A região de Sintra, por exemplo, é uma delas. Florestas mistas, que incluem coníferas e caducifólias, florestas antigas combinadas com partes acessíveis, uma vegetação diversificada, todos estes são bons pré-requisitos. Todas as entidades que tiverem interesse neste potencial podem entrar em contacto com o GIC para discutir um possível processo de certificação.
"Atualmente, temos processos de certificação em curso na Alemanha, Áustria, Eslovénia e em Portugal, e várias manifestações de interesse na certificação de florestas oriundas da Finlândia, Lituânia e da Grécia".
Quantas florestas é que o GIC já certificou na Europa ou no mundo? Pode dar alguns exemplos?
O GIC foi fundado em 2021 pelo Ministério da Economia, Infraestruturas, Turismo e Trabalho do Estado Federal de Meclemburgo-Pomerânia Ocidental e é administrado pelo BioCon Valley, o cluster da economia da saúde daquela região. Neste período tivemos de criar todas as diretrizes e a documentação para iniciar os processos de certificação que, por sua vez, demoram algum tempo. Ainda assim, em 2022 certificámos uma floresta na Áustria. É uma floresta que está ligada a um mosteiro onde se tratam pessoas com problemas cardiovasculares e do sistema músculo-esquelético. Está aberta ao público, aos turistas e a quem quiser ir lá em atividades de lazer.
Este ano certificámos uma floresta na Alemanha e até ao final do ano terminaremos mais um processo de certificação aqui, na Alemanha. Nesta floresta que já está certificada foram criados percursos adequados a determinadas patologias. Há o percurso da psicoterapia, um conjunto de percursos indicados a doenças pulmonares, um percurso orientado para a ortopedia e geriatria, um para problemas cardiovasculares e um caminho geral para relaxamento e mindfulness. Todos estão sinalizados para que os utilizadores os possam percorrer sem o auxílio de um terapeuta. Atualmente, temos processos de certificação em curso na Alemanha, Áustria, Eslovénia e em Portugal, e várias manifestações de interesse na certificação de florestas oriundas da Finlândia, Lituânia e da Grécia.
Esta ligação entre as florestas e a saúde humana poderá trazer novas dinâmicas e maior sensibilidade e valorização da natureza?
É preciso pensar nas florestas como espaços que devem ser mantidos e preservados. Quanto mais as pessoas perceberem os efeitos positivos das florestas, não só ao nível da saúde e do bem-estar, maior será a consciência sobre o valor da natureza. E seria maravilhoso que essa consciência aumentasse a sensibilidade para a situação atual (climática), para as questões da sustentabilidade, das alterações climáticas e, de uma forma genérica, para a saúde do planeta. Eu acredito que sim.
@iNature. Fotos: iNature, ISFT. Nov 2023.