flor de loendro

Flor de Loendro (Rhododendron ponticum subsespécie baeticum).

LOENDRO, DA RESERVA DE CAMBARINHO À FICÇÃO DE AGATHA CHRISTIE

Tão belo quanto perigoso, o Loendro é uma planta admirável que proporciona um espetáculo natural durante os meses de floração. E não só, diria Hercule Poirot.

Quando o famoso detetive belga nascido da criatividade de Agatha Christie viajou para Veneza para gozar a merecida reforma, não imaginava que se iria cruzar com o misterioso Rhododendron ponticum subsespécie baeticum. Este arbusto, de nome comum Loendro ou Adelfeira, é uma relíquia do período Terciário, quando a floresta Laurissilva cobria grande parte do sul da Europa e do norte de África, que foi desaparecendo ao longo dos 66 milhões de anos que separam a era das plantas gigantes do atual Antropoceno.

Apesar da longevidade, das várias épocas glaciares e das várias metamorfoses climáticas da Terra, o Loendro sobreviveu e ainda pode ser visto em alguns locais da Terra. O Cáucaso, a região Oeste da Ásia, a Serra de Aljibe, em Espanha, e as regiões montanhosas do centro de Portugal são alguns desses locais. Porém, Veneza, no norte de Itália, com as suas mais de cem ilhas em pleno mar Adriático, não faz parte do seu habitat.

loendros floridos à noite

Loendros na Reserva Botânica de Cambarinho. Foto: João Cosme.

Reserva Botânica de Cambarinho

Em Portugal, o melhor local para observar esta magnífica planta é no Parque Natural Local Vouga-Caramulo, em particular, na Reserva Botânica de Cambarinho, em Vouzela, no distrito de Viseu. Criada em 1971, é um espaço classificado como Sítio de Importância Comunitária e protegido pela Diretiva Habitats, no âmbito da Rede Natura 2000. Uma proteção que valeu de pouco em 2017, quando os 24 hectares do espaço protegido foram fustigados pelos incêndios que assolaram a região da Serra do Caramulo.

Mais uma vez, a planta resistiu e recuperou, e todos os anos a partir de maio até meados do verão, proporciona um espetáculo único em tons verde e violeta que pode ser contemplado através de um trilho com pouco mais de 2km ao longo da ribeira de Cambarinho, o Percurso Interpretativo da Reserva de Cambarinho.

poster do filme a haunting in venice

Poster de "Mistério em Veneza", filme baseado na obra de Agatha Christie, onde o Loendro tem um papel fatal.,

O mistério de Veneza

Ao longo dos seus 86 anos de vida, Dame Agatha Mary Clarissa Christie, presenteou a humanidade com 66 obras de ficção e mistério policial. “Hallowe’en Party”, publicado em 1969, e adaptado para o cinema em 2023 com o título “Mistério em Veneza” - A Haunting in Venice -, é mais uma com o extraordinário e misterioso protagonismo de Hercule Poirot. O filme conta um intrincado drama familiar que culmina num assassinato que Poirot irá desvendar, como sempre. Porém, o mais surpreendente é que a arma do crime é…o Loendro.

A resposta para este mistério está na evolução da planta. Devido à sua beleza, o Loendro é muito usado como planta ornamental. No entanto, o arbusto que se vê com frequência nos separadores das autoestradas e em alguns espaços de lazer públicos ou privados não é o mesmo que se observa da Reserva Botânica de Cambarinho. Na verdade, é um familiar cujo nome científico é Nerium oleander ou, como é tradicionalmente conhecido, Aloendro, Loureiro-rosa, Cevadilha ou Espigueira.

Esta subespécie também gosta das margens dos rios, mas pode ter flores amarelas, brancas e rosas, e é mais resistente ao clima e à fraqueza e secura do solo, o que a torna presente em quase todo o território nacional.

Tão belo quanto venenoso

Apesar da variação genética originada ao longo do tempo, ambas as subespécies mantiveram uma característica comum: são venenosas. O Loendro e o Aloendro produzem uma seiva que em contacto com a pele provoca irritação e dermatites, mas, desde a raiz até às flores, odor incluído, toda a planta é tóxica para humanos e animais.

A toxicidade do Loendro advém de um alcaloide - oleandrina -, um glicósido tonicardíaco e diurético, que se ingerido provoca perturbações cardíacas como bradicardia (diminuição e irregularidade do ritmo cardíaco), aumento da frequência respiratória, distúrbios digestivos, vertigens, tonturas e sonolência. A planta contém ainda neriantina, que se manifesta mesmo após a secagem. Não existem muitos casos de mortalidade associados ao veneno do Loendro, mas o seu uso como veneno está documentado desde os tempos da civilização egípcia.

Em “Mistério em Veneza”, Poirot desvenda o mistério e conclui que o assassino usou a seiva para envenenar a vítima. Mas, terá sido com seiva de Loendro ou de Aloendro? A resposta está no filme produzido e realizado por Kenneth Branagh, mas fica a dica: qualquer manuseamento da planta deve ser feito com cuidado e está fora de questão usá-lo como suporte para fazer umas aromáticas espetadas.

@iNature | Maio2024 | Ilustração: Puretugal Traditions.